quinta-feira, 30 de maio de 2019

O Clube do amanhã: apostar nos miudos ou nos bolsos alheios?


É sempre uma alegria especial quando o FC Porto levanta um título mas talvez seja maior ainda quando são títulos dos putos. Os putos da casa. Os que sentem a camisola, muitos deles andam ali desde muito pequenos. São o nosso ADN e seja qual for o futuro que lhes depara, sempre vão ser parte nossa. A formação do FC Porto foi campeã da Europa há um mês e sagrou-se campeã nacional ontem. Uma dobradinha sem paralelo na história do futebol português. O impacto mediático foi quase nulo em ambos casos. O FC Porto forma bem, muito bem, mas vende-se mal, muito mal. Para muitos esse é um problema. Não é. O grande problema é outro. O FC Porto forma bem, muito bem, mas aproveita pouco, muito pouco. Esse é talvez o maior desafio com que nos encontramos para o futuro imediato. Aproveitar uma geração excelente ou deitar fora uma oportunidade histórica para beneficio próprio de uns poucos.

Durante anos ouvimos lenga-lengas sobre a impossibilidade de ser competitivo recorrendo a jogadores da formação. O exemplo claro era o Sporting, um clube que raramente deveria servir de exemplo para o que fosse (formaram o melhor jogador europeu de sempre e deixaram-no sair por tostões), e o discurso apontava à necessidade de experiência, maturidade e que a formação fosse apenas um complemento. Claro que o Barcelona tratou de desmentir isso mas como tinham um génio absoluto como Messi tudo ficou relativizado. Também não ajudou o facto do Porto, entre a era Mourinho e os anos de Conceição, realmente, não ter tido uma grande formação. Geraram-se grandes expectativas com alguns jogadores pontuais mas nunca nenhum deu verdadeiramente o salto. Havia alguns títulos mas zero impacto no plantel e na própria evolução da carreira de muitos jogadores. Atrás tinham ficado os anos 90, onde havia realmente prata da casa de grande nivel. E apostar quando não há qualidade faz pouco sentido apostar forte, ainda que faz menos ainda ter o plantel recheado de jogadores piores vindos de fora para papeis absolutamente secundários quando a prata da casa podía cumprir perfeitamente essa função. As comissões, já sabemos.
O paradigma começou a mudar nos últimos anos, pouco a pouco. Foi-se trabalhando melhor, desde a base, mas esse trabalho leva o seu tempo. Os que hoje são campeões europeus e nacionais levam cinco, seis anos nessa dinâmica. Havia que esperar. Mas entre essa espera e o agora houve 4 casos singulares que explicam bem o que é a formação do FC Porto e como o clube a vive. E aí é onde se pode entender a gigantesca diferença entre o FC Porto e o Benfica. 
Lá em baixo vendem o Seixal como o novo Alcochete, o centro por excelência da formação mundial e talvez europeia. Foi sem dúvida uma jogada acertada terem contratado muitos dos treinadores e olheiros do Sporting e a qualidade subiu exponencialmente nos últimos anos, é impossível discutir. A formação do Benfica é boa, bastante boa. E vende muito porque estamos em Portugal, um país que fez do Mantorras o Eusébio. O minimo é que tivessem feito do Bernardo Silva o novo Cruyff. Mas tem algo que continua a faltar ao FC Porto, uma ideia de clube. Quer queiramos quer não a estrutura actual do FC Porto não existe. Sobrevive um Politburo soviético na pré-reforma, desfasado do tempo e onde primam os intereses pessoais ao mesmo tempo que se afiam facas. Cada decisão é vista sob essa perspectiva, a quem interessa, como, quanto e porquê. O Clube normalmente tem ficado para último plano com regularidade. No Benfica isso não acontece porque o seu Presidente, como o nosso foi durante décadas, não tem contestação e as suas decisões são a base da política de todo o clube. E é por isso que a formação do Benfica tem sido aproveitada e rentável, porque tudo é feito do primeiro ao último dia para ser assim. São vendas fáceis, sem custos, tê-los na primeira equipa é algo mediaticamente popular com os adeptos e permite criar uma liturgia óbvia de rendição ao mercado para beneficio do clube ("nós não queriamos vender, mas...". Por isso, desde há cinco anos para cá, uma formação pior que a nossa tem tido na primeira equipa mais jogadores (e a experiencia, quando se dá o salto, é FUNDAMENTAL) e portanto gerado mais valias superiores às que possamos gerar. No Porto, nesse periodo, há 4 jogadores que realmente tiveram um impacto minimo da formação, um abismo. Desses 4 um deles – Ruben Neves – tem o 60% dos jogos disputados. E não foi uma aposta do clube, foi uma aposta muito pessoal de um treinador que não teve problemas em fazer com que o jogador saltasse escalões porque tinha esse nivel (olá Fábio!!). E tem-o. Já o provou no campeonato mais exigente do mundo, com um treinador que contribuiu também para a sua desvalorização de mercado perante o olhar sereno de quem manda. Não esquecemos!

O restante 30% dos jogos disputados divide-se por André Silva, Diogo Dalot e Gonçalo Paciência. São 3 casos muito diferentes em si mas que resumen muitas coisas. 
André podia e devia ter ficado um ano mais. Ele era o primeiro a necessitar disso como tem provado a sua lenta evolução no Milan e Sevilla. Promete muito mas custa-lhe dar o salto, essa paciência que faltou num ano mais de etapa formativa na equipa principal do Porto (ele que no ano NES levou o ataque sozinho às costas,lembram-se?). 
Porque foi vendido? Porque uma gestão absolutamente desastrosa do Politburo teve as suas consequências práticas e era uma obrigação da UEFA cumprir com o FFP. Quando um clube é mal gerido, como o FC Porto tem sido, dentro e fora de campo, é o que sucede. Ter jogadores do nivel do André e não os aproveitar por culpa própria é uma pena mas pode passar. O caso Dalot é diferente. Há anos que o Dalot estaba bem referênciado por essa Europa fora, não enganava ninguém. Num clube com uma estrutura sólida dos pés à cabeça, com ideia de clube desde a base, o Dalot teria renovado muito antes do tempo. Quando o dossier chegou às mãos do novo director desportivo, Luis Gonçalves, a sua vontade não bastou, já era tarde. Nestas idades basta um movimiento em falso e tudo se pode perder e foi o que aconteceu (como o Barcelona, quando perdeu Pique e Fabregas para United e Arsenal pelos mesmos motivos, não somos um caso virgem, muito longe disso). O Dalot foi à procura do contrato da vida dele porque durante anos não foi mimado como seria expectável para quem, seguramente, será um lateral de topo europeu na próxima década. O desleixo foi evidente e quando se quis corregir já não havia margem. 
E Gonçalo? Gonçalo não tem perfil para titular do FC Porto, é um jogador muito limitado (no modelo de jogo táctico e na sua fragilidade física) e não vale a pena andar a vender narrativas em que é bom ter 11 titulares da casa se esses não estão à altura. O Gonçalo não está. Mas um plantel tem 23 ou 25 jogadores, o do Porto e o de qualquer outro clube. E as provas da UEFA exigem um minimo de jogadores da casa nos inscritos. E quando há vagas para dois ou três avançados suplentes, convén sempre ver os prós e os contras. Dizer que o Gonçalo não tem nivel de titular Porto não significa que não tenha nivel para ser plantel Porto. Não é inferior nem foi inferior a sua aportação a Adrian Lopez (o último resquicio da entrega do clube nas mãos de Mendes). Muito menos de Waris, uma escolha pessoal de Conceição. Ou de Andrade, outro jogador escolhido a meias entre técnico e estrutura que além de ser um desatre ocupou uma vaga no plantel Champions que podia ter sido de Manafá, por exemplo. Todos esses 3 negócios custaram ao Porto dinheiro, muito mais do necessário e muito mais do que foi recebido em troca. Gonçalo custava 0. Não é pior jogador do que André Pereira (que faz parte dessa política e foi uma escolha pessoal do treinador) e seguramente exemplifica outro dos usos possiveis para a formação. Nunca vai render milhões, não está para ser titular mas pode perfeitamente dar forma ao plantel. E foi repatriado para longe. Sem sentido.

O Benfica vende-se melhor mas também mima mais os seus. O Sporting, no longinquo apogeu da sua formação, vendia-se muito mais do que aproveitava os seus, mas ainda assim as suas grandes pérolas foram somando bastantes minutos. Quando um jogador salta dos juniores ou da equipa B o que precisa é disso. Minutos, confiança, apoio do treinador, paciência dos adeptos. O FC Porto tem tido muita dificuldade nesse processo. O treinador é claramente arisco a apostar na formação. Diz que só responde ao Presidente, o mesmo que diz que há muito jogador a aproveitar. Algo não cuadra. Sabemos que há gente que se move como sombras pela formação à procura da próxima comissão (basta ver o filho-agente ou o homem que se levou parte do negócio Ruben Neves para casa para entender) e talvez isso jogue contra os putos quando quem tem de se decidir por pô-los a jogar ou não é um homem extremamente emocional que sabe que tem inimigos dentro de casa que estão mortinhos por vê-lo sair para continurem a fazer o seu trabalho sujo e a sacar a sua suja recompensa. Sabemos tudo isso. Mas continuamos sem entender porque Fabiano é opção em jogos que podiam ser de Diogo Costa. Porque Diogo Leite desapareceu do mapa, porque Diogo Queirós tem zero minutos com a equipa principal quando está referenciado por olheiros dos maiores clubes da Europa como o futuro De Ligt. Porque nunca houve espaço para o Bruno Costa além dos jogos com o Liverpool ou porque nem mesmo nas Taças (esas obsessões de Conceição) não tivemos a oportunidade de começar a ver as jogadas do Baró ou os golos do Fábio.
 São campeões europeus e nacionais, são jogadores com o ADN da casa e que já mostraram ter o carácter ganador que se procura num futebolista de elite. E são jogadores com talento, é evidente. Não precisam de ser capas de jornais mas precisam que apostem neles. Uns vão ser vendidos por milhões seguramente porque o mercado é o que é e não vale a pena criar ilusões de que os vamos agarrar para todo o sempre. Mas também há outros muitos que poderiam acumular anos no plantel jogando mais ou menos. Quando virem as histórias deste ano futebolistico, muitos vão olhar para o Ajax, semi-finalista da Champions e campeão nacional com jogadores que têm praticamente a sua idade e jogam sem medo porque têm a confiança de quem neles aposta. Ninguém quer um FC Porto com 11 jogadores da casa porque não seria realista mas depois de anos a atravesar o deserto quem pode não querer um 11 – e mais com a hemorragia que o plantel vai sofrer este verão – onde esses putos tenham o seu espaço para crescer de mão dada com os que já estão e com o apoio de todos?

Mais comissões. Mais dinheiro gasto em vão. Mais bolsos cheios de meia dúzia de sanguessugas.
Mais miudos campeões. Mais ADN Porto. Mais negocios futuros de máxima rentabilidade para o Clube e não para quem o rodeia.

Nunca foi tão evidente o dilema e nunca a resposta que o FC Porto der nos próximos tempos vai ser mais exemplificativa de que clube estamos a falar para hoje e para amanhã.    

sábado, 18 de maio de 2019

Final Anunciado(?)


A 14 de Maio de 1994, Deportivo de La Coruña e Barcelona chegavam à última jornada da Liga Espanhola empatados; deixando de parte outros detalhes, curiosos mas pouco relevantes para o caso, tudo se resumiu a um penalty que o Deportivo teve oportunidade de concretizar - Djukic falhou, e o Deportivo falhou estrondosamente, em casa, a conquista do seu primeiro título.

Recordo esta situação, algo semelhante a aquela em que o Porto se encontra hoje - neste caso, o Porto está na posição do Barcelona, em que ganhar não basta - para dizer que nada, sequer remotamente parecido ao drama daquele dia em 1994, terá lugar mais logo - por razões sobejamente conhecidas, jamais o "benfiquistão" permitiria tal coisa. Assim sendo, é pouco sensato ter qualquer expectativa de que o Porto conseguirá renovar o título de campeão este ano. E não o consegue tanto porque não teve arte nem engenho para gerir uma vantagem pontual confortável, como porque aos outros acorre sempre um João Pinheiro - o árbitro que chegou à categoria internacional, sem ter dirigido um único jogo da Primeira Liga!!!, e rendeu recentemente pelo menos 6 pontos em jogos contra o Feirense e Braga - em momentos de aperto.

Se contra o "benfiquistão" pouco ou nada há a fazer, este miserável desfecho pode converter-se numa oportunidade para aprender e num merecido banho de humildade para o Sérgio Conceição, que apenas há alguns meses atrás zurzia nos adeptos e os mandava "ir ao Coliseu", se não estavam satisfeitos com as exibições da equipa - o tempo mostrou quem tinha razão. O psicólogo israelita Daniel Kahneman, galardoado com o "Nobel da Economia" em 2002, defende com base na sua pesquisa, que de forma mais frequente do que gostaríamos, o "sucesso" resulta em maior parte da "sorte" do que do talento - um mal que claramente aflige o Sérgio Conceição, que cheio de si, foi incapaz de analisar friamente a época passada, e perceber que apesar do resultado positivo, os erros e a "sorte" não foram poucos.

Se realmente o Sérgio Conceição retirará deste desaire - espera-se que seja o último a breve trecho - alguns ensinamentos, e se das contrariedades se fará melhor treinador (e homem mais humilde), só o tempo o dirá. Se o Porto retirará dessa hipotética aprendizagem algum proveito, é outra história. Por mais reuniões e juras de amor eterno de parte a parte, a verdade é que aqui e ali, seja nas imediações ou nas bancadas de estádios, há sinais de que a bota não bate com a perdigota - o Porto terá de disputar a pré-eliminatória da LC, o que obriga a que os trabalhos da próxima época comecem mais cedo, porém e com uma debandada de jogadores titulares à porta, a única garantia é o regresso do Sérgio Oliveira! A minha suspeita é que o desfecho dos dois próximos jogos é indiferente para a continuidade do Sérgio Conceição, que está no fim do seu percurso no Porto - o tempo o dirá; eu defendo a sua continuidade, quanto mais não seja por falta de alternativas minimamente viáveis. Sobra a pergunta: que condições teria para ficar, considerando a sua postura até aqui, se não vencer os dois jogos frente ao SCP?

quarta-feira, 15 de maio de 2019

O rei vai nu

Num ano em que ficou confirmado, para quem ainda tinha dúvidas, que (sempre) existem ofertas a jogadores para perderem contra o slb (Cássio, Marcelo e Lionn) e, ainda, que existem equipas que propositadamente não se apresentam na máxima força contra o mesmo clube (declarações de Petit, treinador do Marítimo), um qualquer portista afirmar que o clube da Luz é um justo vencedor do campeonato é pior do que disparar completamente ao lado: é cometer um erro histórico, com consequências para as próximas temporadas.
Quem afirma que, mesmo perante tamanho grau de vigarice, o FCP tinha a obrigação de ser campeão, desvaloriza as ajudas decisivas ao slb em Tondela (expulsão ridícula de um jogador da casa, num jogo em que os lisboetas ficariam completamente fora da corrida ao título caso não vencessem) e, principalmente, em Santa Maria da Feira (tal como na época de 99/2000, Bruno Paixão volta a ser absolutamente decisivo na atribuição do título), Braga e Vila do Conde (onde as regras do futebol deixaram, pura e simplesmente, de existir). 
Sim, o FCP usufruiu de uma vantagem importante nesta presente temporada e perdeu-a. Mas, se avaliarmos o conjunto de todas as jornadas, verificamos que o FCP perdeu, até ao momento, 17 pontos. Uma performance que, habitualmente, seria suficiente para vencer o campeonato. Para termos uma ideia, o FCP de Mourinho perdeu 20 pontos em 2003/04. Sim, no mesmo ano em que fomos a melhor equipa da Europa.
Poderia o FCP ter feito mais e melhor, apesar de existirem umas regras para o slb e outras diferentes para as restantes equipas? Sim, mas isso é e será sempre verdade. Seja em 2019, seja em 1987 em que perdemos o campeonato, apesar de contarmos com a nossa melhor equipa de todos os tempos.
A anormalidade não estará, pois, na nossa pontuação mas sim no completo absurdo de, desde a sua derrota em Portimão, o slb somar por vitórias todos os encontros efectuados, com a excepção do empate contra o Belenenses. Vão seguramente conseguir 23 vitórias nas últimas 25 partidas para a liga portuguesa. Um feito que até os melhores slb dos últimos 30 e tal anos não conseguiram alcançar, com a excepção daquele record no tempo de JJ. 
No mesmo período de tempo, mesmo o nosso FCP, com muito melhores equipas durante longos períodos, poucas vezes terá andado perto de tamanha proeza.
Ou seja, temos então que Seferovics, Pizzis, Florentinos e Grimaldos estão a conseguir algo que nós, até no tempo de um Gomes, Madjer, Jardel, Deco, Falcao ou Hulk, dificilmente alcançaríamos.

Acredite quem quiser.

Mesmo dando de barato que este se trata, efectivamente, de um slb fortíssimo, a realidade das provas europeias desmente-o por completo. Para tudo isto ter uma qualquer lógica, ou seja, que estamos mesmo perante um slb-vintage, estes teriam também que ter brilhado, nesta actual temporada, nas provas da UEFA. Pelo menos, e no mínimo, chegar à final da Liga Europa.
Ora, tiveram duas oportunidades (não esquecer a sua sofrível participação na Liga dos Campeões), mas ninguém se lembrará do slb, por essa Europa fora, quando se fizer o balanço de 2018/19.

E já para não falar nos 5-jogos-5 de interdição da Luz. Aliás, até poderiam ser 10, que daria no mesmo: numa comédia.

Aceitar a vitória do slb, nestes moldes, é perpetuar este estado de coisas. Qual é, afinal, o limite do suportável?
Qualquer dia, ganharemos ao slb em ambas as voltas e ainda assim não chegará. É que, afinal, eles também conseguem passar por cima do VAR, que era a nossa última linha de defesa para o futuro.

O slb vai perder apenas 15 pontos. Nos últimos 35 anos, e adaptando as classificações a 3 pontos por vitória, o FCP apenas conseguiu perder menos pontos em 5 dos seus títulos.
O slb tem 99 golos marcados. O FCP, nos mesmos 35 anos, o melhor que conseguiu foram 88. Isto apesar de ter contando com goleadores da classe de um Gomes, Jardel, Falcao ou Jackson.
O slb vai em 7 (s-e-t-e) partidas em que marcou nos primeiros 3 (t-r-ê-s) minutos de jogo. 
O que significará isto em termos de seriedade dos seus adversários?

Desculpem, mas temos que ter o direito a sermos campeões mesmo naquelas épocas em que não somos excepcionais.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Bater no peito não chega!


No momento em que este artigo se escreve ainda não sabemos se o terceiro milagre da década, qual segredo de Fátima, vai ter lugar ou não. Depois do momento Kelvin e da epopeia Herrera, o FC Porto precisaría de outro golpe de sorte – desta vez alheio – para poder conquistar o bicampeonato, um cenário cada vez mais improvável. O FC Porto partiu como favorito, confirmou o favoritismo durante uma volta, conseguiu uma vantagem histórica e deitou-a fora a ponto de poder perder o campeonato a um jogo do fim. Esses são os dados. De ser campeão nacional, cenário improvável, o FC Porto cumpre com o prognóstico inicial e com o que fez durante meia época. Não seria um golpe de sorte, um ajuste de contas divino apesar de ser necessário um milagre. Seria algo lógico e natural. De não acontecer será uma profunda decepção. O denominador comum neste debate sobre o FC Porto a dia de hoje, o de ontem e o que será amanhã tem rodado à volta de um homem: Sérgio Conceição.

Num clube desprovido de Presidente – uma figura que se aproxima cada vez mais aos velhos lideres de tribos indigenas, que fazem do silêncio e da reclusão a base da sua liderança entregando as acções aos mais novos – e com uma “Estrutura” que, pura e simplesmente, já não existe, a figura do treinador é cada vez mais relevante, algo que o meu amigo e companheiro de escrita José Correia tem defendido, com toda a razão. Acabou a era em que a dinámica dirigente do FC Porto era a sua mais valia. Essa estrutura erosionou-se com o tempo. Seria algo natural, tratado sem drama, porque o tempo passa para todos, não fosse a cultura estalinista do Líder Supremo e a mentalidade de portistas ruidosos que fazem de qualquer critica ou opinião contrária à sapiencia absoluta e intocável dessa figura um insulto ao escudo e bandeira. Se por um lado continua a parecer óbvio que quem Preside não dirige o clube - e o continuará a Presidir até nos abandonar definitivamente, face às suas sucessivas recandidaturas quando o tempo perfeito da retirada vai pasando e ele vai assobiando - o que não deixa de ser igualmente evidente é que não há um leme claro no clube abaixo da sua figura crepuscular que coloque ordem onde só existe o caos. Não há um director desportivo com poder real – e a figura de Luis Gonçalves tem sido cada vez mais próxima daquela que teve Reinaldo Teles, que também carecia totalmente de influência e poder e actuava mais como uma ponte com o balneario do que na tomada de decisões – nem uma direcção com caras e ideias novas. 
Estamos num clube onde um ex político como Fernando Gomes encontrou uma reforma de ouro sem poder acrescentar nada de valor ao projecto. Um clube onde um advogado, fundamental na actuação do proceso Apito Dourado, tem concentrado em si um poder que ultrapassa em muito a sua real valia. Um clube onde o filho do dirigente crepuscular, sem cargo eleito ou nomeado, se passeia como se fosse o dono da casa com as chaves a tilintar no bolso. Nesse cenário dantesco o optimismo não tem lugar e é um cenário já suficientemente antigo para acreditar que vai mudar. Não vai. Pelo menos, não para melhor. Algo que muitos já assumiram, algo que poucos estão dispostos realmente a mudar.

Nesse contexto a figura do treinador ganha uma relevância especial. 
Quando o actual Presidente o era, de facto, o treinador era uma extensão sua mas, em última análise, o clube era do Presidente, os êxitos eram do Presidente e o futuro estava nas suas mãos. E eram tempos maravilhosos porque o Presidente exercia como tal e tinha sagacidade mental, espirito e vontade de o fazer. Graças a isso vivemos uma etapa dourada. Não a voltaremos a viver, não debaixo da mesma premissa. E portanto esse treinador quase secundário, na narrativa de muitos êxitos, ganhou preponderância. Exigia-se para isso um perfil especial. Jesualdo Ferreira foi o navegador tranquilo durante a mais difícil tempestade mas não animava o povo. Vilas-Boas, que a memoria não engane, começou assobiado por “miudo” e acabou elevado a uma altura a que não lhe correspondia futebolisticamente, provou-o a história, precisamente porque soube como animar o povo. Vitor Pereira tinha o futebol mas não tinha já os meios humanos nem a voz. Paulo Fonseca aterrou cedo num momento de mudança profunda nas estruturas de poder e acobardou-se. Lopetegui insurgiu-se como nenhum dos anteriores contra aquilo que agora tanto nos indigna e foi cuspido na cara por isso, deixado só aos abutres, com um título roubado e um plantel dilapidado. Nuno esteve bem ao serviço do empregador, que não era o FC Porto, mas também viveu o fantasma do Polvo, quando já começava a haver Francisco J. e emails, depois de anos de silêncio onde só Bernardino Barros e poucos espaços, como este, clamavam por acção e resposta. Foi com ele que renasceu o Mar Azul, lembrem-se bem, ainda que não graças ao seu ingénio. E depois chegou Sérgio. O que mudou de Sérgio para os seus antecessores imediatos? O momento Kelvin 2018.

Conceição trouxe um discurso à Porto porque viveu, sente e conhece o clube. É um dos nossos, sem dúvida nenhuma.  
Uma versão hardcore do que um NES – sempre mais preocupado em agradar ao seu melhor amigo e a cair bem a toda a gente – podía ter oferecido. Tacticamente ambos não são técnicos de elite nem vão ser mas tinham uma ideia clara e fechada, pouca margem de abertura e operaram com recursos escassos. NES apanhou um Rui Vitória já em rota decadente e não o soube aproveitar mas foi o péssimo inicio da Champions 2017/18, o inicio avassalador das divulgaçoes dos emails pelo Porto Canal/Francisco J./Baluarte, e uma excelente pré-temporada que preparou físi e mentalmente a equipa com um modelo táctico imitado directamente do manual de Jorge Jesus, apontado ao jogo directo, vertical, com dois pontas de lança e ausêncio de miolo de jogo, quem rematou definitivamente com um treinador mediocre, com um plantel também ele cada vez pior a cada ano que passava e que colocou o FC Porto no Natal com uma liderança relativamente cómoda. 
Foram meses de euforia, justificada, com um plantel de remendos (os mesmos do ano anterior com a diferença de que já não havia pérolas da formação, vendidas meses antes a preço de saldo), e com um espirito de cruzada contra um Penta que era e só podía ser nosso. O Mar Azul, que já vinha embalado, foi reactivado e cumpriu. Os jogadores encontraram uma motivação extra (Brahimi na Feira dixit) e o modelo táctico inicial surpreendeu os rivais, habituados sempre a um Porto mais rendilhado do que o rival. Quando começou a segunda volta ficou claro que algo tinha de mudar. E não mudou. A equipa jogava igual mas havia menos pernas e pulmões porque as rotações eram nulas e os rivais iam aprendendo a recuar para não dar os mesmos espaços. A birra com Casillas colocou na baliza a um Sá que, esforçado, não fazia a diferença. Sem o peso da Europa nas costas e com o primeiro choque dos emails ultrapassado, o Polvo acordou e levou a Águia ao colo durante semanas e nesse cenário o que fez o treinador? Nada.
Manteve exactamente a mesma filosofía, dinâmica e gestão e como recompensa levou um set de derrotas nas Taças a que só ele parecia dar especial importância. Sofreu uma goleada histórica na Champions por acreditar que o Liverpool podia ser enfrentado como o Aves. E deitou borda fora cinco pontos de vantagem pontual chegando à Luz necessitado de uma vitória para que não se repetisse o drama dos anos anteriores. O milagre aconteceu, num jogo em que não houve superioridade (a do jogo da primeira volta, onde o Polvo mostrou estar bem vivo, e que sim foi evidente), e com ele houve titulo. Mas também sinais. Importantes. Evidentes. Ignorados.

O que define um grande líder é, sobretudo, a sua capacidade de aprender. O maior maestro da vida é o falhanço. É normal perder. É normal errar. O que nos define é a capacidade de superar esses erros. Esta época o que todos viram foi a absoluta incapacidade de Sérgio Conceição de seguir essa premissa. O guião foi similar. Equipa que entra forte - a pesar das dúvidas do mercado com o caso Marega na sombra e as primeiras lesões bem cedo - consegue uma sequência histórica de vitórias, classificação na Champions, liderança confortável face a uma nova debacle de Vitória, desta vez despachado, e sete pontos de avanço em Janeiro. Dois mais que no ano pasado. O que convidava a experiência? 
Diferente gestão, não repetir os erros, gerir emocionalmente a situação. Liderar. O que mostrou a realidade? Mesmos jogadores rebentados, outro flop na Taça da Liga que custou mais do que parecia, outra ausência de aposta na formação ou na segunda linha para muitos jogos que convidavam a dar oxigénio a figuras nucleares e um modelo táctico cada vez mais fácil de anular pelos rivais, sem capacidade de readaptação. De aí a nova derrota estrepitosa com o Liverpool era um passo. De aí a nova derrota com rivais directos (em dois anos, à falta de um jogo com o Sporting, os números nos duelos directos de SC não são nada positivos) e em vez de perder uma vantagem de cinco pontos, agora perdia-se uma de sete. Com a diferença de que não havia já matchball. E sem matchball o milagre tinha de vir de outro lado. Ainda não veio. Dificilmente virá. E com isso o título deixa de ser opção. E pelos mesmos motivos que podía ter deixado de ser um ano antes. Ausência de aprendizagem do erro. E isso é o importante ressaltar.

Não deveria ser importante para uma liderança estável ser ou não campeão este ano. 
Ninguém ganha sempre ou sequer devia (e fomos tão mal habituados durante décadas que isso nos fez perder perspectiva muitas vezes) e a derrota também nos faz crescer. O problema não está em perder o campeonato se isso significasse que os seguintes estariam ao nosso alcance. O problema é que depois de quase perder o primeiro, vai-se perder agora um campeonato pela mesma matriz de comportamento, pelos mesmos erros tácticos, pelos mesmos erros de gestão de grupo, pelos mesmos erros de gestão de pernas, pulmões e músculos num plantel de 25 que parece feito de 15 jogadores. Por tropeçar constantantemente nos mesmos erros. 
Eu sou e sempre serei defensor de periodos largos de treinadores ao leme do clube. Acho que o tempo é a melhor arma de quem tem um bom plano, de quem pode ver florescer a sua ideia. Em condições normais, um cenário como o actual seria propicio para dar continuidade a esse ciclo com Sérgio Conceição. Mas não com ESTE Sérgio Conceição. O Porto precisa de um Sérgio Conceição que em lugar de fazer exigências (o paleio de “fico se tiver condições para…” transpira portismo por todos os poros, sem dúvida) seja auto-critico e assuma que há erros que repete com frequência pasmosa e que têm consequências. Que há decisões incompreensiveis na gestão do grupo. Tanto faz se estamos a falar de Oliver, um activo destruido, ou de transformar o melhor central jovem da Europa num lateral direito mediano (menos mal que já vendido) pondo fim a uma dupla que estava a funcionar muito bem. Se ignorar a melhor formação sub19 da Europa e uma das nossas melhores em anos para dar o OK a chegadas como as de Waris, Paulinho, Loum ou Fernando, contratações SUAS e não da SAD, que muitas culpas tem no cartório mas não esas, concretamente. Que ter o futuro melhor guarda-redes joven do futebol portugués e jogar nas Taças com um não-futebolista como Fabiano. Que lançar Bruno Costa às feras quando tudo estar perdido mas nos jogos “controlados” – palavra difícil de dizer no seu mandato com qualquer jogo – o ignorar sucesivamente. O de insistir, 2 anos depois, no pontapé de saída para à frente e que corra o Marega tão rugbiesco que até assusta que ainda esteja válido. O de dispensar Sérgio Oliveira, chave na ausencia de Danilo no ano anterior, quando é evidente que o Comendador não é o mesmo jogador depois da lesão e necesita de um back up que o plantel não tem. E podemos repetir muitos mais conceitos e problemas que se depararam sempre com a mesma solução, a errada.

O Mar Azul é um conceito bonito e que serve para muita coisa. Todos cabemos ali. Mas não façam do Mar Azul, um mar de estúpidos. Não somos homens das cavernas, primitivos, para achar que o bater no peito, as caralhadas no banco, as expulsões, as conferências de imprensa repletas de “bocas” e as rodinhas são o todo quando devem apenas fazer parte de algo muito mais complexo. Algo que no entanto está profundamente oco quando se salta da superficie. Num futebol moderno onde cada detalhe é analisado à exaustão, onde a estatistica está por todos os lados, a preparação física é hiper-profissional e onde jogamos contra um rival que vale por dois, que alimenta outros clubes a seu belo prazer para sacar disso lucro, bater no peito não chega, nem de longe. Pode ser parte da solução mas nunca ser “A” solução e até agora, entre os prós e os contras, é isso que sobra. O Sérgio tem muito por crescer como treinador e se o quiser fazer poderá ser bem melhor do que é hoje. Há um ano ficamos todos com a sensação de que quería crescer e que o êxito lhe ia dar tranquilidade mental e segurança em si mesmo para o fazer. Não aconteceu nada disso. Foi mais inseguro e errou mais do que nunca. Se quiser crescer esta é a sua casa e se souber limar os erros e potenciar as áreas onde podemos crescer e melhorar, todos estamos no mesmo barco. Se for uma réplica de si próprio, um downgrade do projecto original, então é melhor pensar duas vezes se este é o melhor lugar para o fazer. A decisão é exclusivamente dele. Oxalá tome a correcta e que o FC Porto possa crescer à custa disso.