Ederson foi vendido este defeso ao Manchester City por 40 milhões de euros, parte da nova aposta de Pep Guardiola para a baliza do clube citizen. O brasileiro transformou-se assim num dos guardiões mais caros da história mas, ai essa ironia, o SL Benfica só vai receber metade dessa verba estratosférica. Curioso, porque não era isso o que o clube tinha comunicado no seu Relatório Anual de Contas onde indicava, taxativamente, deter o 100% dos direitos económicos do futebolista. Afinal, enquanto o FC Porto está debaixo da alçada da UEFA por ter feito as coisas muito mal - e a correr o risco de ter de vender três titulares, a que se junta André Silva, já despachado para o Milan - o Benfica pode jogar com as regras e não há ninguém que diga nada ao respeito a começar pelas autoridades como a CMVM.
No Relatório de Contas apresentado este ano em relação ao exercicio de 2016, o Benfica declara, como se pode ver, possuir o 100% dos direitos de Ederson, contando portanto o valor do passe do brasileiro como uma mais valia plena nos livros de contas do clube. Meio ano depois o mesmo clube indica à CMVM que vai vender o futebolista mas arrecadar apenas 50% dos 40 milhões pagos (a que terá de descontar os habituais gastos de solidariedade sendo que, na prática, o jogador renderá pouco mais de 16 milhões de euros no total). A imprensa, que vendeu a transferência como mais um super-negócio de Luis Filipe Vieira, esqueceu-se de investigar os porquês dessa súbita alteração dos valores num espaço de tempo tão curto.
Explica o Benfica que estão "prometidos" os restantes 50% a outras "entidades", sem especificar nunca quem, quando e porquê, algo que em nenhum momento foi indicado no Relatório de Contas onde apenas se indica o controlo na totalidade do passe do futebolista. A 1 de Janeiro Ederson era totalmente do Benfica, a 1 de Junho afinal só o é a metade do seu valor de mercado.
São cenários assim que explicam dois pontos importantes.
O primeiro é a a total ausência de fiscalização das autoridades neste tipo de casos e em particular quando se trata do Benfica. Ninguém na CMVM decidiu abrir uma investigação ou aprofundar nos dados facilitados, uma vez que sendo clube cotado em bolsa, os valores e cifras apresentados nos Relatórios de Contas têm de estar de acordo com a realidade. As autoridades em Portugal, sejam da Procuradoria Geral da República, da Polícia Judiciária, do poder político, das instituições desportivas ou de reguladores como a CMVM fazem constantemente vista grossa às irregularidades cometidas pelo clube da Luz, desde as claques ilegais ao doping financeiro, enquanto mantêm um olhar crítico ao que corresponde a todos os seus rivais, dispostos a actuar com prontidão, celeridade e, curiosamente em muitos casos, depois de receber "dicas" de como e quando fazer as coisas.
Por outro lado, e isso é mais sério ainda, este é o tipo de negócios - tão habitual nos últimos cinco anos - que explica o porquê de que o Benfica jamais entrará debaixo da alçada do Financial Fair Play ou passará por apuros económicos. Tem um amigo de confiança.
Jorge Mendes, através da Gestifute, e o Rio Ave, clube que gere à distância, recebem assim a fatia de um bolo que não lhes correspondia, oficialmente. A todos os títulos a proibição da partilha de passes por parte da FIFA acabou por dinamitar um modelo de negócio mas abriu as portas a outro. Agora os clubes vivem à volta do empresário para explorar "promessas" que ficam no ar. Ninguém as pensa em não cumprir porque as consequências podem ser terríveis. Sendo assim o Benfica, ao adquirir Ederson, terá "prometido" ao empresário e ao seu clube na liga - com quem o Benfica, curiosamente, gerou uma excelente relação nos últimos anos - dar essa metade do bolo sem que, no tempo em que o jogador foi atleta do clube, essa informação tivesse sido pública. Para todos os efeitos Ederson foi sempre, a 100%, atleta do Benfica. Quando o negócio, mediado pelo próprio empresário, naturalmente, foi completado então é que, por questões legais, o Benfica comunica a origem dessa "promessa", que não está em papel em nenhum lado, para justificar o ingresso de menos de metade desses valores. Naturalmente o Benfica sabia, desde o primeiro momento, que era o máximo que podia aspirar talvez porque sabem também que sem esses pactos nunca haveria, em momentos de apertos nas contas do clube para pagar salários, comissões e favores a "padres", há sempre um clube desinteressado que aparece para levar os Gonçalo Guedes, Bernardo Silva, João Cancelos, André Gomes e afins por cifras curiosamente sempre muito parecidas e pouco escrutinadas.
Com esta teia muito bem montada entre o universo Mendes e os clubes que lhe são afins - em Portugal o Rio Ave e o Sporting (que se podia passar perfeitamente a chamar de Sport Lisboa) de Braga, e por essa Europa fora o Valencia, Atlético de Madrid, Granada, Deportivo la Coruña, Zaragoza, PSG, Bessiktas e afins - o Benfica tem garantido sempre um pulmão extra de finanças, um doping financeiro de que não dispõe a concorrência. Não é casualidade que os seus únicos dois rivais reais tenham estado, ambos, debaixo da lupa da UEFA e ao Benfica, clube com um passivo descomunal, nunca o máximo organismo europeu tenha sequer mencionado. Claro, com Relatórios de Contas com estes truques à portuguesa, uma instituição pode até dar o ar de ser sólida quando na realidade basta um arrufo de um empresário para o castelo de cartas se desmoronar. Quem sabe isso bem é Luis Filipe Vieira que entende que tem de manter contente o homem que, essencialmente, lhe permite manter-se vivo financeiramente. O Polvo também é isto. Se por um lado os emails revelados por Francisco J. Marques e as informações reais que têm saído com os anos sobre quem estava por detrás, realmente, da corrupção no Apito Dourado, mostram o lado escuro da teia, este exercício é mais um reflexo do polvo financeiro externo que alimenta o monstro.