sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O Polvo, uma pata da cadeira do poder

Foi quase há um ano já que Francisco J. Marques surgiu, pela primeira vez, no Porto Canal com algo que, a principio, muitos incautos trataram com sorna e anedocta mas que, desde então, se tem revelado com algo tão podre e maligno que só mesmo num país como Portugal é que o mensageiro pode ser colocado em dúvida. Os "emails" ou o "emailgate" que a inicio para alguns era só uma forma disparatada de distrair a atenção para mais um erro de casting com consequências nefastas como foi a eleição de NES como treinador acabou por ser o cimento que reacendeu a chama azul-e-branca e, também, o ponto de partida para uma série de escabrosas revelações que colocaram em cheque-mate tudo o que sabemos sobre o futebol português da última década (e não só). No entanto, quase 365 dias depois, o que aconteceu?
Nada. Absolutamente nada. 

Os "presumiveis criminosos" - porque a lista de possiveis crimes divulgada é tão extensa que "presumiveis criminosos" é o mais ligeiro que se pode dizer em casos assim - continuam soltos, tranquilos e a repetir as mesmas práticas de sempre. No terreno de jogo a impunidade segue, este ano com um inesperado aliado em forma de VAR - ou como alguns memes virais têm tentado descrever, a "conexão com Skype directa com o "Primeiro-Ministro " e não há sinal de que a situação se altere. Talvez tenha a ver com o facto - já divulgado - de que o Benfica presumivelmente tem informação comprometida e confidencial sobre árbitros. Talvez tenha a ver com o facto - já divulgado - que o Benfica tem relação privilegiada com os inspectores anti-doping, com dirigentes de outros clubes, com dirigentes políticos, judiciais e pode mesmo até ter a ver com o facto de que nem o Presidente da Federação escapa a ter a sua vida controlada minuciosamente. Quem sabe.
O certo é que nos últimos meses - depois da divulgação de toda essa informação - algo mais sério e grave veio à tona que demonstra, na prática, porque é que ainda nada aconteceu e porque é que, provavelmente, nada acontecerá. As ligações do Benfica, através do seu presidente e esbirros, não se limitam apenas ao mundo do futebol e ao seu controlo na sombra do mesmo através da compra de árbitros, dirigentes rivais (directamente ou ajudando financeiramente os seus clubes pagando salários, emprestando dinheiro em operações de jogadores adquiridos e emprestados num circuito inumano), jogadores rivais ou figuras dos corredores do poder na Liga ou Federação. Quando saiu para a rua o processo Apito Dourado, o tal processo que era o exemplo máximo da asquerosidade do futebol português - tão limpo e impoluto nas décadas anteriores, seguramente - o máximo que os seus criticos conseguiram foram gravações telefónicas que envolviam a escolha de árbitros ("o João, pode ser o João) e cafés tomados entre dirigentes, árbitros e empresários para solucionar resultados que em campo já o estavam num ano em que, azar dos azares, o alvo a abater também decidiu comprar as altas instâncias do futebol europeu e venceu a Champions League, essa competição que só um clube de um país periférico levantou nos últimos 20 anos. Tudo isso parecia saído de uma novela cómica mas para as virgens ofendidas era apenas e só o principio do fim do Mundo. Que calados que estão agora.

A questão evidente é que este Polvo de proporções épicas tem sido silenciado, não levanta estupor público nem gera o mesmo sentimento de desprezo e asco porque, na base de tudo, o problema não é o Benfica, nem sequer é o futebol português como tal. O problema é Portugal.
O que Luis Filipe Vieira fez vai muito, muito mais além do que tentaram acusar Pinto da Costa e o FC Porto há quinze anos atrás. Se na altura o Apito Dourado parecia ser um caso exclusivamente desportivo, o Polvo encarnado é apenas um tentáculo de um monstro marinho maior, uma pata de uma cadeira de interesses que é a base da actual sociedade portuguesa. Vieira utilizou o seu clube para montar uma teia de interesses que rapidamente se aliou a outros dentro do poder financeiro e económico - não é por caso que é também o maior devedor do país e peça chave no escândalo BES -, do poder político (o caso Centeno, a presença habitual de governantes no palco presidencial da Luz) e, como se tem sabido agora, do poder judicial (toupeiras dentro da PJ, juizes-desembargadores a pedir favores e a pagar os mesmos, advogados em altas instâncias comprados) e também do poder mediático (que tem mantido sobre tudo isto um silêncio ensudecedor face à gravidade dos casos divulgados. 
O Benfica é altamente beneficiado a todos os niveis mas mais beneficiado ainda é o seu Presidente e não é por casualidade que muitos suspeitam já que a fonte original de todos os emails que precipitaram a caída das peças de dominó tenham vindo de dentro do próprio clube por figuras desejosas de ocupar o seu lugar e, com ele, as suas benesses. O que no entanto, a inicio, parecia um esquema criado para beneficiar o clube resulta na práctica ser um esquema para beneficiar uma série de elementos de distintos meios - entidades bancárias, carreiras políticas, judiciais, mediáticas - em que o Benfica é uma parte do esquema e não o seu fim. Uma realidade que vai muito para lá da corrupção desportiva e que, em comparação, faz parecer as acusações do Apito Dourado uma brincadeira inocente de meninos. A quem chamou ao Porto um dia Palermo seguramente olharia agora para Lisboa com vontade de mudar o nome da cidade a Purgatório mas a coragem para atacar uns é quase sempre proporcional à cobardia para atacar outros. 



Neste cenário verdadeiramente dantesco onde o trabalho de divulgação de Francisco J. Marques, a investigação paralela pouco ruidosa - é certo - de outros meios e o trabalho da Policia Judiciária (que já sabe que conta internamente com filtrações, quem sabe se as mesmas que subiram ao YouTube as escutas do AD, um método que na altura escandlizou menos que publicar emails) tem sido mais do que meritório, é dificil acreditar que algo vá suceder na prática. Nem despromoção, nem retirada de títulos - modelo aplicado em Itália regularmente em casos muito menos graves - nem retirada de pontos (o que foi feito, em primeira instância com o FC Porto mas que agora não pode ser aplicado porque, ao contrário desse FC Porto, solvente campeão nacional, isso significaria perder títulos) nem sequer uma reprimenda. Fazer cair o Benfica e o seu presidente era fazer cair o sistema. Era fazer cair o clientelismo dos grandes partidos políticos, os interesses à volta dos grandes bancos e das famílias que os controlam. Era destapar a podridão que grassa no sistema judiciário entre advogados, procuradores e juzies. Era ressaltar, de novo, que a imprensa portuguesa de independente e corajosa tem pouco. Era tocar em demasiadas peças ao mesmo tempo. O mérito de Vieira não foi criar um império de interesses "presumivelmente" criminais à volta do Benfica para beneficiar-se desportivamente e pessoalmente do mesmo. O seu grande mérito é ter feito do seu clube e da sua pessoa peça indispensável nessa engrenagem colectiva a ponto de que a sua queda seria sempre amparada por aqueles à sua volta sob pena de, como uma gangrena, extender-se a outros pontos onde vivem personalidades mais intocáveis do que ele próprio e que nunca o poderiam permitir. 

O silêncio das autoridades políticas, dos arautos da verdade e da moral e sobretudo da indignação fabricada de um país - todo o oposto que vivemos há mais de dez anos - tem uma base muito concreta. O FC Porto nesta guerra não luta só contra o Benfica de Vieira, esbirros e corruptores, dentro e fora de campo. Mais do que no regime do Estado Novo, é nesta podre e caduca república parlamentária, que o FC Porto mais isolado e frágil se encontro e é contra rivais mais poderosos e irredutiveis que se mede nesta batalha. Podemos muitos não ter sequer a menor ideia do tamanho do Polvo, que mais do que um polvo é um monstro marinho, e que a cada novo email, cada nova revelação nos vai surpreendendo. O que sabemos todos é que enfrentar este monstro com vida própria e interesses determinados é e será, sem dúvida, a maior batalha da história do FC Porto. Uma batalha onde a união e o arrojo tem de ser superior a tudo e a todos. Um passo em falso e podemos estar a falar de um final trágico e irreversível. O sistema não vai cair pelo seu próprio peso, não vai cair desde dentro - como em Itália passou, tanto a nível político como desportivo - nem vai cair sem dar luta. Resta saber se o Dragão encontra todas as forças para plantar batalha e não arredar pé. 
 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Banho de realidade

Não há muito a dizer mas há muito a sentir.
O FC Porto sofreu a maior derrota da sua história em casa e igualou a sequência de pior derrota de sempre na Europa (cinco golos de diferença) de uma forma absolutamente indiscutivel. Foi um resultado duro, pesado mas não foi um resultado injusto. O Porto fez pouco para marcar e fez muito para deixar o Liverpool marcar à vontade. E quando se disputam os oitavos de final da Champions League e os detalhes contam, e muito, o banho de realidade é inevitável.

No primeiro jogo disputado este ano escrevi que esta não era a nossa luta.
Continua a não o ser. O FC Porto vai ser campeão nacional. O FC Porto vai ganhar a Taça de Portugal. E essa Dobradinha vai ser o culminar de um ano excelente. A derrota e inevitável eliminação com o Liverpool não muda nada mesmo com estes números. Não são bonitos, não estão à nossa altura e doi, doi sem dúvida, mas é preciso nestes momentos ser mais racional do que nunca e entender que todos aqueles que apontavam o dedo em Agosto - plantel curto, inexperiente, problemas de jogo tácticos - agora apenas constataram a realidade, que é a mesma, mas estamos agora a três meses do final da época e à beira de fazer história. Isso é o que conta.
Obviamente que o FC Porto, num dia normal, não é equipa para sofrer cinco golos em casa de ninguém, seja o Liverpool, o City ou o Barcelona mas quando se reunem determinadas condições o desastre é inevitável. Um jogo que chega numa altura em que a acumulação de jogos se nota; onde as lesões e suspensões de jogadores fundamentais, especialmente para este contexto, mais se fazem sentir e contra um rival poderoso, reforçado e que encara o confronto com outra mentalidade. O Porto luta para ser campeão, essa é a sua prioridade. O Liverpool sabe que tem mais possibilidades de chegar longe na Champions do que de vencer a sua liga. Se a isso juntamos a tempestade perfeita, tudo o resto se torna mais lógico.
José Sá é isto. Sempre foi isto e sempre será isto. Não é um adolescente de 19 anos. Mantém as mesmas debilidades de sempre e se bem que tem estado sério nos jogos na liga, na Europa o nível é outro. Teve uma noite para esquecer, mal em quase todos os golos e, sobretudo, incapaz de transmitir insegurança aos colegas. Para além do frango claro no golo que mudou o jogo, foi ainda lento a reagir no segundo golo ao remate, desviou com pouca força o disparo do terceiro e podia ter feito mais no quinto. Nunca mais vai esquecer este jogo mas é fundamental que até Maio não lhe pese sobre os ombros. Será fundamental ver se a sua maturidade competitiva o leva isso ou a fraquejar. Para os que se lembram que Iker estava no banco, é altamente improvável que o espanhol sofresse estes cinco golos mas quem se lembra igualmente da eliminação - mais séria porque foi noutro contexto totalmente diferente - frente ao Dinamo de Kiev, sabe também que Casillas não é a garantia exclusiva de portas fechadas na Champions em casa. A lembrar.



O certo é que se Sá esteve mal toda a defesa foi um desastre. Mané surge só no primeiro golo porque todos os jogadores vão bloquear um disparo de Wijnauldum que ressalta o esférico aos pés do senegales que nunca poderia estar tão só. No segundo remate Salah, igualmente, nunca poderia estar sem uma sombra ao lado do guarda-redes. Marcano desistiu de correr atrás de Mané no terceiro e Ricardo fez o mesmo no quarto golo com Millner. No quinto Sérgio Oliveira tentou fazer uma falta táctica mas foi tão macio que Mané acabou por fugir e o médio não aguentou o ritmo. Depois abriu-se uma auto-estrada á frente. Ninguém ficou impune aos erros. A derrota foi colectiva e isso que os primeiros vinte minutos, com um superlativo Brahimi e um Otávio sempre mexendo-se bem, parecia intuir outra coisa. Tivesse o remate do brasileiro tido melhor sorte no desvio como teve o de Mané ou o remate de Soares sido mais preciso e o jogo teria sido diferente. Mas nem um nem outro são jogadores de elite e nesses momentos nota-se. Marega passou ao lado do jogo, como tem sido habitual estes meses e quando Brahimi saiu, confirmando a rendição lógica de Conceição, o resto era fácil de adivinhar.
Para consumo interno esto FC Porto tem demonstrado ser mais do que suficiente graças sobretudo a um grande trabalho colectivo de intensidade e união que tapa algumas das misérias individuais que são reais. No contexto europeu a situação é diferente. O Porto qualificou-se num grupo repleto de surpresas - ninguém imaginaria o último posto do Monaco - e com base a uma grande eficácia nas bolas paradas. Não foi por qualidade de jogo corrido nem pelo talento individal de alguns dos seus jogadores e hoje, quando todos os livres e cantos foram bem anulados pelo Liverpool, essa debilidade ficou exposta. Não é um drama, é a aceitação de uma realidade entre um plantel que não pode ser reforçado e um Liverpool que gastou 80 milhoes de euros num central em Janeiro e que tem uma das linhas avançadas mais brutais do futebol mundial. É preciso caminhar com a cabeça alta mas com os pés no chão.

Nunca uma derrota teve tanto potencial para fazer tão bem. Além da poupança lógica que deve haver em Anfield - independente do resultado - este resultado deve ser para enfocar de novo a vista no que realmente importa e deve unir, mais do que nunca, quem joga e quem apoia. Quem sabe que tem de se redimir e tem oportunidade na próxima semana de o fazer em jogo e meio que podem ser decisivos na luta pelo título e quem tem a obrigação de não baixar agora os braços e deixar de apoiar aqueles que têm superado todas as expectativas. Não é um tropeção que marca uma época se todos tiverem bem claro que já haverá tempo e contexto para procurar emendar a mão na Europa dos tubarões. A nossa realidade é mais pequena e de cariz nacional e nenhuma casa se começa a construir desde o telhado. Depois de quatro anos sem títulos nacionais o importante é trabalhar o regresso ao topo em casa para depois crescer. Sem dramas, sem choro, sem esquecer. Que a noite de hoje seja a primeira noite dos campeões nacionais 2017/18.

Liverpool, fazer o que nunca foi feito

Hoje vai voltar a ouvir-se o hino da Champions no estádio de um clube português. É no local habitual, o Estádio do Dragão, num jogo da 1ª mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões 2017/18.

O adversário é o lendário Liverpool Football Club, um clube da pátria do football e, sabem os adeptos portistas, historicamente o FC Porto não se tem dado bem com equipas da Velha Albion.
Em 36 jogos frente a equipas inglesas, o FC Porto venceu apenas oito (22%) e nunca ganhou em Inglaterra.
8 vitórias, 9 empates e 19 derrotas não é brilhante.

E, se analisarmos em termos de eliminatórias, o panorama não é melhor. Em 11 eliminatórias, o FC Porto ficou pelo caminho oito vezes e apenas eliminou equipas inglesas em três ocasiões.

Em 1974/75, na 1ª eliminatória da Taça UEFA, o Wolverhampton;
Em 1977/78, na 2ª eliminatória da Taça das Taças, o Manchester United;
Em 2003/04, nos oitavos da Liga dos Campeões, o Manchester United.

No caso específico do Liverpool Football Club, os dois clubes já se defrontaram quatro vezes para as competições europeias e o FC Porto nunca conseguiu vencer:

2000/01 (Taça UEFA, quartos-de-final) FC Porto x Liverpool: 0-0
2000/01 (Taça UEFA, quartos-de-final) Liverpool x FC Porto: 2-0
2007/08 (Liga Campeões, fase grupos) FC Porto x Liverpool: 1-1
2007/08 (Liga Campeões, fase grupos) Liverpool x FC Porto: 4-1

A história não está do lado do FC Porto. Contudo, o jogo de hoje à noite é no Estádio do Dragão e nos jogos em casa contra equipas inglesas a vantagem é dos dragões: oito vitórias, sete empates e apenas três derrotas.

Pondo de lado a história e olhando para aquilo que as equipas têm feito esta época... o Liverpool continua a ser favorito. De facto, além de ter o 7º plantel mais caro da Europa (dados do CIES-Football Observatory), em termos desportivos os reds estão a fazer uma época muito boa.

Os 10 planteis mais caros da Europa (O JOGO, 13-02-2018)

Na fase de grupos da Liga dos Campeões, o Liverpool ficou em 1º lugar do seu grupo (sem qualquer derrota).
Na Premier League apenas foi derrotado três vezes (em 27 jogos) e está, nesta altura, no 3º lugar, a apenas 2 pontos do Manchester United de José Mourinho (a super equipa que, esta época, derrotou duas vezes o slb...) e à frente do campeão Chelsea, do vice-campeão Tottenham e do Arsenal.

MAS, este FC Porto de Sérgio Conceição tem ultrapassado as expectativas, interna e externamente. E, contra a maior parte das previsões, o FC Porto é a única das três equipas portuguesas que continua na mais importante prova de clubes do mundo, após ter superado um grupo que incluía o bi-campeão turco (Besiktas), o campeão francês (AS Monaco) e o vice-campeão alemão (RB Leipzig).

Tudo “equipas fraquinhas”, conforme sugeriu a comunicação social lisboeta. “Equipas fraquinhas” como o AS Monaco que, após 25 jornadas, ocupa o 2º lugar do campeonato francês (à frente de Marselha e Lyon), ou como o RB Leipzig que, após 22 jornadas, ocupa o 2º lugar da Bundesliga (à frente do Borussia Dortmund, Bayer Leverkusen e Schalke 04).

Sim, o Liverpool é uma equipa de top do futebol inglês.
Sim, o Liverpool é favorito para esta eliminatória.
Sim, o FC Porto tem duas ou três baixas importantes - Danilo, Felipe e Aboubakar (?) - para o jogo de hoje.
MAS, este FC Porto de Sérgio Conceição tem qualquer coisa de especial e está na altura de fazer o que nunca foi feito: derrotar, pela primeira vez, o Liverpool.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Golpes de autoridade

Rival directo por um dos títulos mais importantes do ano superado? Check.
Triunfo fora sobre uma das equipas que melhor joga em Portugal e que ainda não tinha caído em casa desde Agosto? Check.
Utilização de vários jogadores habitualmente suplentes descansando titulares? Check.
Demonstração constante de superioridade colectiva e individual? Check.

Em pouco mais de uma semana, depois de um ciclo normal de maior desgaste, dúvidas e alguns tropeções absolutamente naturais, o FC Porto de Sérgio Conceição decidiu dar um par de golpes na mesa nas duas competições que realmente interessam este ano e contra rivais e contextos que exigiram sempre a melhor versão deste projecto. 
É certo que Janeiro tinha sido um mês problemático - especialmente tendo em conta o feito nos meses anteriores - tanto no desgaste colectivo da ideia de jogo, no cansaço individual que inevitavelmente produziu uma quebra de produção de jogo e de golos, o que gerou alguns sustos e tropeções. Chegar ao intervalo a perder em Estoril (uma equipa que vai de menos a mais), empatar em Moreira de Cónegos, cair nas meias-finais da Taça da Liga e sofrer na primeira parte contra o Vitória de Guimarães foram sintomas claros de uma realidade absoluta. Ninguém joga bem ou ao mesmo nível dez meses de temporada e tarde ou cedo qualquer equipa sofre uma sequência de maus resultados. Que essa sequência não tenha resultado sequer em nenhuma derrota - o FC Porto continua, 30 jogos depois, invicto em competições nacionais, algo que não se via desde 2003/04 - e que no final da mesma a equipa continue na liderança isolada do campeonato (com menos 45 minutos por disputar, ou 3 pontos a menos do devido, segundo se olhe) e esteja na frente na luta por um lugar da final da Taça de Portugal é elucidativo. Todas as crises fossem assim.

 O certo é que as sensações estavam a dar asas aos rivais a anunciar uma crise que, lamentavelmente para eles, não chega. Entre um título caído do céu para um e uma recuperação nada milagrosa tendo em conta as ajudas habituais recebidas de outro, parecia que 2018 estava a ser um inicio de ano para esquecer para o Dragão e era necessário mudar percepções, sobretudo entre os adeptos mais duvidosos porque o grupo de trabalho e o treinador parecem estar bastante convencidos do seu potencial, prova da solidez de discurso e mentalidade oferecida. Tentaram fazer da discussão de Soares com Conceição uma crise, inventando noticias sobre uma venda apressada para a China e um problema de balneário e como respondeu o grupo e os protagonistas? Três golos em dois jogos. 
Festejaram a lesão de Danilo Pereira, timoneiro fundamental desta equipa e deste modelo de jogo, anunciando uma hecatombe competitiva e o que respondeu o grupo, o treinador e o seu sucessor em campo, Sérgio Oliveira? Com uma versão igual de omnipresencia e garra que ajudou a solucionar dois jogos problemáticos com solvência.
Brahimi estava cansado, Aboubakar estava a meias com uma lesão, Marcano estava lesionado (e uma vez mais, de fora, tentaram transformar um problema físico numa vendetta pela mais do que provável não renovação do espanhol) e, ainda assim, cada qual que ocupou o seu lugar mostrou estar à altura e a equipa nunca deu sinais de ressentir-se. Num grupo manifestamente pequeno - ainda que ampliado com mais três opções que, como era previsivel, vão ter muito trabalho para entrar na dinâmica que já existe - todos deram um passo em frente sem excepção. Maxi Pereira rendeu bem o melhor lateral direito português num campo dificil como o de Chaves. Soares voltou a mostrar porque a sua contratação há um ano manteve durante tanto tempo o incompetente NES na corrida pelo título. Sérgio Oliveira mostrou pela primeira vez na sua carreira uma solvência física, liderança e qualidade que muitos suspeitavam que nunca tinha existido. E ainda que em menor nível, Corona e Otavinho deram oxigénio a um ataque necessitado de outras opções mais além do génio de Brahimi.



Conceição soube fazer uma gestão humana exemplar num periodo complicado - de entradas, saídas e dúvidas - e essa gestão em minutos de jogo ofereceu também variações a um modelo que os rivais já conhecem de memória mas que, em muitos casos, continuam sem saber contrariar. Soares é um jogador diferente de Aboubakar, ataca as jogadas de um modo distinto e isso engana defesas habituadas a procurar o contacto físico com o camaronês e a negar-lhe o espaço para impor o seu jogo. Oliveira é menos físico do que Danilo mas a forma como conectou com Herrera, que está a fazer, depois de tantas dúvidas geradas, um ano excepcional, permitiu ao meio campo recuperar frescura, ideias e alternativas no momento de posse. Mesmo no eixo da defesa, que por falta de opções e lesões tem sofrido mais alterações do que seria de esperar, a coesão mantém-se e o Porto está sem sofrer golos há vários jogos a que ajuda também ao facto de que José Sá estar a ganhar confiança a cada jogo que faz e sai da sombra de Iker Casillas. Tudo apostas arriscadas em cada momento, tudo apostas ganhas por Conceição que até tem visto recompensada a sua insistência em fazer jogar sempre Marega que, por todos os seus mil e um defeitos, sempre acaba por gerar perigo e ocasiões de golo. 

O certo é que bater - e superar, outra vez - o Sporting na primeira mão da meia-final da Taça (depois de dois jogos de manifesta superioridade em jogo mas sem golo) foi uma mensagem importante a todos os niveis. Demonstrou que, por muito investimento e discurso, o Sporting de Jesus continua a jogar com medo do Porto de Conceição, e que os azuis-e-brancos são superiores, jogadores por jogadores, linha por linha, aos leões. Depois de cair com manifesto azar na Taça da Liga era importante dar um golpe emocional antes do duplo confronto que ainda falta e, sobretudo, face ao presente barulhento do clube lisboeta destabilizar com mais uma prova de superioridade real. Em Chaves, onde um grande treinador como Luis Castro montou uma excelente equipa que ainda não tinha perdido em casa e aspirava (e aspira) a lugares europeus, com várias mudanças mas uma fome de bola há muito não vista, a equipa soube ser sólida, concisa e fazer aquilo que tinha sido incapaz em Janeiro, atacar e decidir cedo o jogo com golos e superioridade. Duas formas diferentes de mostrar que este Porto não se deixa amedrontar ou assustar por nada e que continua inequivocamente a ser a melhor equipa a jogar futebol em Portugal. Antes de um duelo que apetece, muito, mas que não deve distrair dos objectivos reais e factíveis que são os dois títulos nacionais em disputa, é bom saber que o Porto que muitos davam por cansado e em crise está bem vivo e com a mesma fome e autoridade de sempre.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Ilações de Moreira de Cónegos

Começo por aquilo que é consensual. A meio da 2ª parte do Moreirense x FC Porto, com o resultado teimosamente em branco (0-0), houve um penalti claríssimo por assinalar a favor do FC Porto. Mais um (o 15º deste campeonato). E não, não é um penalti de televisão (este jogo teve VAR?) como ouvi dizer depois do jogo. O soco do guarda-redes do Moreirense, que em vez de acertar na bola, acertou na cabeça do Felipe, é demasiado evidente para o árbitro Luís Ferreira e os seus assistentes no terreno não terem visto (principalmente aquele que viu tão bem um fora-de-jogo inexistente no golo anulado ao FC Porto).

Penálti por assinalar (Tribunal de O JOGO)

A segunda constatação consensual é que, sem fazer um grande jogo, o FC Porto foi a única equipa que quis ganhar e devia ter ganho. De facto, durante os 90 minutos, o FC Porto criou 4 ou 5 oportunidades de golo flagrantes (contra zero do Moreirense), algumas das quais o mais difícil foi mesmo falhar.
Por exemplo, no lance em que o jogador do Moreirense corta a bola em cima da linha de golo, um Felipe mais rápido e determinado (a falta que um central como o “bicho” faz em jogos destes…) teria cabeceado a bola, nem que levasse um pontapé na cara e entrava ele, a bola e o jogador do Moreirense pela baliza dentro.

Estatísticas do Moreirense x FC Porto

Mas, e é um grande MAS, o FCP deste jogo, principalmente o dos primeiros 60 minutos, esteve longe do melhor FCP desta época.
Onde estiveram os princípios de jogo que fizeram do FCP a melhor equipa deste campeonato?
Por onde andou a intensidade de jogo?
Por onde andou a pressão alta e a recuperação de bolas no meio campo adversário?
Por onde andou a tentativa de transições rápidas?

Eu olho para esta exibição do FC Porto e vi mais NES do que Sérgio Conceição.
Vi pouca intensidade e muita lateralização.
Vi um Herrera demasiado amarrado à posição 6, a tentar colmatar a ausência de Danilo. Um Herrera que, quando joga mais à frente, galga quilómetros jogo após jogo e é um box-to-box fundamental na pressão alta que a equipa faz… fazia.
E ao lado do Herrera, vi um Oliver que não tem cabedal para um jogo destes (passe o exagero, dava pela cintura daqueles dois médios todo o terreno do Moreirense).
Um Oliver que nunca regateou esforços, mas que é pouco efetivo a defender (o Herrera teve de defender por 2 ou 3).
Um Oliver que, em termos ofensivos, resulta muito bem no modelo de jogo de Lopetegui, mas não resulta num modelo de jogo de transição, que ataca a profundidade e explora as diagonais dos avançados.
Por isso, não surpreende nada que vários dos piores jogos do FCP esta época tenham sido com o Oliver a titular (FCP x Besiktas, FCP x Leixões, Moreirense x FCP são três exemplos).
E em Moreira de Cónegos vi um Oliver a titular, enquanto que Sérgio Oliveira, um jogador mais forte e muito mais vertical, só entrou a poucos minutos do fim.

Apesar de tudo isto, volto a sublinhar, o FCP podia e devia ter ganho este jogo, porque criou oportunidades mais do que suficientes para isso.

Mas, e é outro grande MAS, neste plantel não temos um finalizador do calibre de um Gomes, Mário Jardel ou Falcao.
Os avançados que temos – Aboubakar, Marega, Soares – são fortes fisicamente, potentes, mas nenhum é particularmente eficaz. Pelo contrário, normalmente, para marcarem um golo têm de falhar vários.
E para agravar a coisa, o Aboubakar está de rastos, o Marega com menos gás e o Soares pouco confiante (chiça, que o raio dos golos não aparecem).

Não é seguramente por acaso que, nos últimos 3 jogos e meio (315 minutos), o FCP apenas tenha marcado 1 golo… válido.
E isso leva-me a terminar como comecei, a falar da arbitragem, apresentando duas imagens (cujas linhas, de acordo com a geometria, foram traçadas por Pedro Bragança, do 'Baluarte Dragão') que valem mais do que mil palavras.


Golo anulado ao FC Porto por pretenso fora-de-jogo

Após mais 2 pontos roub… perdidos, a Administração da FC Porto, Futebol SAD reagiu:

«A Administração da FC Porto, Futebol SAD solicitou ao presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol uma reunião com caráter de urgência para expor um conjunto de erros das equipas de arbitragem, cujo inaceitável acumulado de pontos subtraídos coloca em causa a verdade desportiva da Liga NOS.»

Não posso estar mais de acordo com o conteúdo e mensagem subjacente a este comunicado, o qual, perante a roub… infelicidade dos árbitros nos jogos do FC Porto, só peca por tardio.

Janeiro já lá vai e não deixa saudades. Para o resto desta Liga VAR, espero (desejo) uma Equipa do FC Porto de regresso aos seus princípios básicos de jogo e, já agora, que jogue as primeiras partes como jogou os últimos 10-15 minutos em Moreira de Cónegos.
Se assim for, não tenham dúvidas, o grito de revolta de Brahimi em Santa Maria da Feira será uma realidade em todos os jogos.