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O campo da Constituição está muito ligado à minha meninice. Sempre vivi junto da sua área de influência. Foi lá que comecei a ver futebol a sério, foi lá que passei muitas tardes a jogar futebol, quando o guarda do campo era “amigo".
Dos jogos que vi, não guardo na memória coisas muito boas. Aliás, nessa altura o FCP não tinha grande equipa. Costumava dizer-se que a selecção nacional era o Sporting, Benfica & Araújo, o único convocado regularmente do FCP, interior direito, excelente jogador e fazedor de golos, apesar de muito franzino. Um dos jogos que recordo, precisamente porque o Araújo era muito valioso e os adversários não o poupavam, foi um FCP-Covilhã, em que um tal de Toninho, com cor de cenoura, ex-Salgueiros, lhe deu tanta pancada que acabou por o aleijar com gravidade. Não havia substituições (o crime compensava), houve alguma teimosia em tentar recuperá-lo, o que não foi conseguido e, pior, agravou a lesão, pois ficou demasiado tempo em campo. Ficou sem jogar largos meses. Nunca mais esqueci o jogo, o Araújo e o Toninho.
Lembro, também, um FCP/SLB que perdemos e que o último golo, o da vitória, for marcado por Rogério (do SLB). Um bruaá constante da enorme bancada de madeira, subia sem parar por motivos que desconhecia. Tremi de medo, quase tanto como a estrutura de madeira que a suportava. Agarrei-me à minha mãe até ao fim do jogo e foi assim que abandonei o campo. O meu pai ficou tão chateado que só o ouvi falar no dia seguinte. Nesse dia, não houve direito a ouvir rádio até às 22H. Foi tudo cedo para a cama. Deixei de acompanhar os meus pais nos jogos mais complicados.
Já lá vão largos anos, quando a FPF organizou um campeonato nacional de reservas que o FCP perdeu a favor do SCP. No jogo decisivo, o FCP recebeu o SCP que trouxe na equipa o famoso Mokuna , o fura redes. O campo da Constituição registou uma enorme enchente, e perdemos por 2-0, com um golo do célebre violador de redes: um remate de muito longe, fraco, rasteiro que o nosso guarda-redes deixou passar por baixo do corpo. Mokuna, mesmo sendo de um clube adversário, alimentou largamente a nossa imaginação de miúdos, que foi duplamente traída: era tosco e nunca furou qualquer rede em Portugal.
Depois, foi proibição: a bancada não tinha condições, prometia ruir a qualquer momento e passámos a jogar no Estádio do Lima. Mas, era uma alegria quando a equipa principal treinava no Campo da Constituição, sempre que se deslocava a um adversário que jogava em campo pelado. Durante a semana que precedia esses jogos, os treinos efectuavam-se lá e nunca perdia aquelas oportunidades para acompanhar de perto os movimentos da equipa.
Antes do célebre jogo com o Torriense, na época de 1958/59 com Bella Guttmann, recordo o treino de 5ª. Feira (de conjunto). O Mister, vestido à “civil” de sobretudo e chapéu, seguiu o treino junto da linha lateral. Foi um treino curto e intenso, com algumas paragens e outras tantas chamadas de atenção. A hora era de treino: treinava-se mesmo. Cortava qualquer tentativa de “brincadeira” de forma serena e impunha-se com grande sobriedade. Fiquei muito impressionado com a forma como Guttmann trabalhava e fazia trabalhar. Uns dias depois, fomos campeões. A alegria não durou muito, Bella seguiu para o SLB e com ele levou o José Augusto, que tinha (tudo) acertado para vir para o FCP. Perdemo-nos sempre nos finalmentes, o que durou até à era JMP/PdC.
A Constituição passou a servir para as camadas jovens no futebol, o andebol de onze e o hóquei em campo. O ringue, entretanto, servia as modalidades amadoras: basquete, voleibol , mais tarde andebol de sete e hóquei patins, que foi a última modalidade a fazer parte da nossa carteira desportiva.
Porto/Salgueiros em andebol, Porto/Vasco da Gama em Basquete, Porto/Leixões e Sporting Espinho em Voleibol e Porto/Ramaldense em Hóquei em Campo, eram promessas de muita rivalidade, muita emoção e casa cheia. No Hóquei em Patins acompanhei a nossa carreira na 2ª. Divisão. Subimos, logo na primeira época em que concorremos, mas estivemos, ainda algum tempo, bastante atrás do Académico e do Infante Sagres.
Nas noites de hóquei em patins, fiquei a “conhecer”, pela assiduidade com que assistiam aos jogos, um casal e o filho que sempre os acompanhava e que, invariavelmente, aproveitava o intervalo para com os patins calçados: patinar e treinar a sua destreza no domínio da bola com o stick. Foram muitas noites, sempre com o mesmo “programa”. Esse miúdo, moço, homem, foi um dos melhores jogadores do FCP, de sempre. Refiro-me a Cristiano Pereira. Aproveito este exemplo, na pessoa de um jogador que acompanhei, desde o início da carreira, para homenagear todos os atletas do nosso clube nas modalidades ditas amadoras, que a partir do velhinho Campo da Constituição, se formaram, se fizeram atletas e souberam elevar bem alto o nome do FCP, com a sua entrega, engenho, persistência e muito amor ao clube do coração.
É, pois, com grande satisfação que vejo o campo da Constituição ser modernizado para melhor servir a juventude. Visa ser escola e formar atletas dos grupos etários mais baixos (Dragon Force) e faz parte do projecto Visão 611 que tem como propósito, segundo o RC de 2006/7: “…fazer do FCP o melhor clube na formação em Portugal, assumindo o sector como a sua principal fonte de talento. Este projecto (Visão 611), organizou de forma transversal toda a estrutura do futebol do FCP e criou condições para reforçar a aposta do clube na formação e na detecção de talentos capazes de evoluir no clube e potenciar o seu impacto e posterior transferência para mercados mais competitivos e financeiramente mais pujantes…”
Formar atletas, sem queimar etapas: eis a questão. O projecto parece válido e os equipamentos estarão à medida da ambição do plano. Falta saber se os recursos humanos vão cumprir, pois são eles que farão toda a diferença. Espera-se que os dirigentes saibam liderar, os treinadores formar, os atletas jogar (e competir) e os pais saibam acompanhar a carreira dos filhos. Espera-se que os benefícios materiais, tendo de prevalecer, não entupam o projecto com um surto indesejável de emigração e imigração, transformando os atletas em matéria prima comum, sempre negociável, com qualquer idade e segundo o melhor preço. Gostaria que fosse um pouco mais do que isso, para não acabar de vez com relação de afecto (amor à camisola) que o atleta deve estabelecer com o clube.
Nota: Em meados de 50 o FCP organizou um espectáculo único, na altura. Montou-se uma tenda gigante e tivemos o privilégio de ter no Campo da Constituição do Football Club do Porto o espectáculo, em digressão pela Europa, do Holliday on Ice. Foi uma coisa única. Nunca se viu nada assim: pais e filhos estavam de acordo, foi a o espectáculo mais belo que algum dia tinham vivido.