O FC Porto nunca foi uma grande potência nacional em formação de jogadores. Sempre tivemos algumas posições onde fizemos escola (guarda-redes, centrais, sobretudo) mas nunca vivemos à sombra da fama que outros clubes tiveram com os seus "fabulosos" projectos de formação que em muitos casos foram fogos de vista. No entanto, a marca de jogadores à Porto, sobretudo recrutados e formados na região do Grande Porto sempre fez parte do nosso ADN, particularmente após a chegada de Pinto da Costa à presidência do clube. O FC Porto quer ter os melhores, seguramente, mas também quer - ou melhor, queria - ter os melhores no espaço físico que mais depressa se identificava com o clube.
Foi com essa politica desportiva que se trabalhou muito e bem durante os anos oitenta. O FC Porto tinha uma excelente equipa de olheiros espalhados pelo país mas concentrados essencialmente na região Norte. Os jogadores estrangeiros que aterravam nas Antas eram, quase sempre, recomendações de empresários e não fruto do trabalho de prospecção. Foi graças a isso que as camadas jovens dos Dragões se encheram de jovens promessas que marcaram a geração do Penta, a dos Vitor Baía, Fernando Couto, Jorge Costa, Jorge Couto, Rui Filipe, Domingos Paciência, António Folha, Rui Jorge, Paulinho Santos que sucederam aos André, Jaime Magalhães, Fernando Gomes, Rui Barros ou Lima Pereira de outras eras.
Esse modelo de gestão, complementado por alguns dos melhores jogadores estrangeiros da liga (os Drulovic, Zahovic e companhia) e alguns estrangeiros de grande qualidade como apostas certeiras da direcção (de Kostadinov a Jardel) funcionou até ao virar do século em que o abandono da formação se tornou evidente. Desde o ano 2002 que o FC Porto deixou de produzir jogadores de elite para passar a ser exclusivamente uma marca de importação. Primeiro de consumo nacional no biénio de José Mourinho (Maniche, Paulo Ferreira, Nuno Valente, Bosingwa, Raul Meireles, César Peixoto, Ricardo Fernandes, Pedro Mendes) para depois passar a ser exclusivamente um projecto de consumo externo. Desde 2002, quando Hélder Postiga se estreou na primeira equipa, os jogadores da formação quase que se tornaram personas non gratas para o Clube.
Seguiu-se, brevemente, Hugo Almeida e Bruno Alves, hoje já instalados na casa dos 30, e depois as sucessivas gerações desaproveitadas dos Bruno Vale, Zé António, Ivanildo, Vierinha, Paulo Machado, Hélder Barbosa, Candeias, Ventura e companhia.
Qualidade pobre dos jogadores, poucos minutos na equipa A, predilecção por estrangeiros de qualidade duvidosa, falta de trabalho competente na base?
Tudo está certo e ainda sim tudo é manifestamente insuficiente para explicar a razia de jogadores da casa na primeira equipa. A criação do Projecto Visão 611 deveria servir para mudar a situação mas acabou por piorar ainda mais o esquema. Enquanto o Sporting se consolidava internacionalmente como a "cantera" por excelência do futebol português e o Benfica ia, pouco a pouco, "recrutando" alguns dos melhores olheiros e técnicos do Sporting para desenvolver o seu projecto, no Olival tudo continuou na mesma. Paralelamente o clube tem investido bastante em recrutar jovens promessas sub-18 espalhadas pelo Mundo.
Sul-americanos (Kelvin, Victor Garcia, Caballero, Roniel, Elvis, Lichnovsky), europeus (Pavlovski, Djim, Johanssen) e africanos (Ba, Atsu, Mikel, Kaymbe) foram sendo integrados aos escalões de formação e à equipa B. Ainda nenhum com resultados excepcionais mas que dão conta de uma clara tendência de gestão. Parece-me, desde já, uma aposta extremamente inteligente da SAD.
Não há dinheiro para continuar a gastar recorrentemente mais de 10 milhões de euros em Reyes, Herreras, Alex Sandro, Danilos ou Mangalas eternamente e fintar um mercado cada vez mais caótico e lotado de candidatos que oferecem melhores condições do que nós (o caso Bernard é exemplar) e descobrir essas promessas uns anos antes pode supor um desembolso infinitamente menor e um lucro desportivo e financeiro maior a médio prazo. É uma aposta sensata, inteligente e que seguramente dará frutos no médio prazo. Mas é insuficiente.
O FC Porto não deve nem pode continuar a negligenciar o que devia ser o seu mercado primordial, o nacional. Num país capaz de produzir de forma surpreendente jogadores de elevada qualidade para a sua percentagem de população e atletas federados, Portugal é cada vez mais um mercado apetecível lá fora. Há olheiros de clubes franceses, italianos, ingleses e espanhóis a pescar futuros internacionais portugueses entre os 15-18 anos. Jogadores que podiam perfeitamente estar na nossa formação e que, inexplicavelmente, não estão.
Bruno Fernandes, Marcos Lopes, Edgar Ie, Ruben Vezo são apenas exemplos de uma tendência crescente no mercado europeu. Paralelamente, enquanto é aceitável que seja difícil (e caro) recrutar atletas ao SL Benfica e Sporting, continua a não ser lógico que emblemas como o Vitória de Guimarães (Paulo Oliveira, Josué, Ricardo), Sporting de Braga (Rafa), Nacional da Madeira (Miguel Rodrigues) ou Maritimo (José Sá, Danilo) sejam capazes de produzir com regularidade jovens promessas e que esses jogadores escapem aos olheiros do FC Porto.
Tendo em conta os futebolistas portugueses que podem singrar na próxima década entre aqueles que contam com mais de 15 anos actualmente, o FC Porto conta com muito poucos. Rafa, Tozé, Tomás Podtawski e Gonçalo Paciência são as nossas melhores perspectivas de sucesso. Quase nenhum teve ainda minutos na primeira equipa nem convocatórias acumuladas. O Sporting pode apresentar, na mesma geração, jogadores que vão desde Ricardo Esgaio, Bruma (já transferido), João Mário, André Martins, Tobias Figueiredo a Alexandre Guedes, e o Benfica a Bernardo Silva, André Gomes, João Cancelo, Ivan Cavaleiro, Bruno Varela ou Nelson Oliveira.
Muitos desses jogadores entraram nos escalões de formação dos respectivos clubes entre os 14 e 16 anos, tendo antes feito a formação em clubes onde os olheiros do FC Porto se podiam ter antecipado. André Gomes e Alexandre Guedes são casos ainda mais paradigmáticos. O primeiro passou pela formação azul-e-branca e foi dispensado. O segundo foi recrutado aos 15 anos pelo Sporting do Arcozelo de Vila Nova de Gaia, o mesmo concelho onde a equipa treina.
Ter olheiros no Grande Porto - ou na Grande Lisboa - não deveria supor nenhum gasto particular para os cofres do clube e em contrapartida poderia reproduzir significativos lucros futuros. Ter um onze titular futuro com jogadores formados em casa tem vários aspectos positivos. Máximo lucro em vendas, maior prestigio internacional na formação, cimentar uma cultura de balneário local que ajuda a integração das contratações estrangeiras que foi perdido com as saídas de Bruno Alves e Raul Meireles e jogadores formados localmente em número suficiente para garantir a inscrição constante de 25 jogadores nas provas da UEFA.
Não se trata de maior ou menor bairrismo, de querer uma "sportinguização" do FC Porto ou de deixar de apostar naquele que tem sido o core business da SAD de forma compulsiva. Trata-se de reinventar uma fórmula ganhadora, algo que a SAD já está a fazer com a sua aposta em sub18 estrangeiros. O que não me parece lógico é que o maior clube português, que graças ao sucesso obtido nos últimos trinta anos tem agora adeptos espalhados por todo o território nacional e milhares de miudos desejosos de vestir a camisola azul-e-branca, continue a negligenciar de forma tão evidente a prospecção e o treino da sua própria formação nacional. O futuro do futebol português não é tão negro como os catastrofistas pintam e não é motivo para o clube abandonar totalmente a prospecção local por outros (e interessantes) mercados. Ter um onze nos próximos sete anos competitivo com meia dúzia de jogadores portugueses é perfeitamente possível. Como também o é com jogadores formados em casa se esses forem recrutados antes que os nossos rivais e directamente em clubes com um bom trabalho na área. Ter um novo Ricardo Carvalho, Rui Barros, Domingos Paciência ou Vitor Baía não é só altamente desejável. É também possível. Basta fazer as coisas bem!