quinta-feira, 14 de abril de 2016

Um Presidente que nem o balneário respeita

Houve uma altura em que uma palavra áspera de Pinto da Costa deixava o balneário de calças na mão, a tremer e temer pelo futuro. A palavra do Presidente era lei. E a lei era obedecida, repetida, assimilada e declamada de memória. Eram dias de glória mas também de luta, de champanhe mas também de pedregulhos. Eram os dias de um "balneário á Porto" que respeitava o homem que tinha estado por detrás do renascimento desportivo do clube. De certa forma era uma retro-alimentação. Pinto da Costa, com a sua sagacidade, criava esse balneário mas depois impunha as suas condições. E quando ele falava, todos ouviam e obedeciam. O pacto que esteve vigente tantos anos já não existe. Já não faz sentido.

Hoje o balneário do FC Porto não respeita Pinto da Costa. Não o respeita, pelo menos, como outros balneários o respeitaram, o temeram e o adoraram. Sim, há muitos e muitos jogadores que passaram pelo clube e que adoram Pinto da Costa. Faziam parte dessa cultura de clube e sabiam quem era o vértice central de tudo. E não vale a pena falar exclusivamente nos homens da casa. Basta falar com Deco, com Pepe ou com Derlei, para por alguns exemplos, para encontrar o mesmo discurso. Os jogadores tinham medo de Pinto da Costa quando esteve se chateava mas também sabiam que era o primeiro que estava lá para eles quando tinham problemas. Havia reciprocidade nessa relação. E o FC Porto saía a ganhar. Mas isso hoje já não existe. Pinto da Costa já não convive com os jogadores como noutros tempos. É uma consequência da idade, naturalmente, mas também da delegação de determinadas tarefas. A sua figura tornou-se mais crepuscular. Mesmo jogadores recentes do clube como Sapunaru se deram conta disso e o romeno saiu há pouco mais de quatro anos do clube. Pouco tempo.

Para os que chegam novos, Pinto da Costa é um presidente ausente e com que não existe conexão. Muitos jogadores entram e saem do clube sem apenas trocar meia dúzia de conversas. Tempos houve em que havia jogadores que iam jantar com o Presidente. Nessas reuniões, nessas descidas de Pinto da Costa ao balneário, o convívio nas concentrações, forjou-se muito da identidade do clube. Os futebolistas sabiam que precisavam do Presidente porque era ele que tinha o seu futuro pelas mãos. Era ele quem decidia quem ficava, quem saía, quem ia para onde e por quanto. Pinto da Costa tinha a faca e o queijo na mão. Zahovic queria forçar a saída para o Valência, fazia birra e não treinava? Acabava no Olimpiakos (já havia lei Bosman, já havia empresários, mas com Pinto da Costa ninguém brincava) e aguentava um ano no exílio grego. Era o preço a pagar por desafiar o Presidente e todos os jogadores o sabiam. E por isso o respeitavam. Ouviam o que tinha a dizer e quando este chamava a filas ninguém se atrevia a faltar.



Mas o que significa agora Pinto da Costa para jogadores que têm zero cultura de casa?
Jogadores que sabem que o seu destino depende dos fundos e não de Pinto da Costa? Do seu agente, e não do presidente. Jogadores que sabem que, no dia em que colocam a tinta no contrato, já têm data de saída, joguem bem ou mal. Alguém os colocará e não será o presidente. Muito poucos futebolistas chegam ao extremo de Imbula que chegou a dizer aos familiares que estava no Porto "de férias pagas", porque sabia perfeitamente que o seu futuro estaria sempre noutro lado. Mas muito sentem algo parecido. Ciclos de dois a três anos não chegam, quase nunca, para forjar respeito, carinho e uma conexão, especialmente se rodam todos e não apenas um punhado de futebolistas, como sempre passou. De certo modo o balneário hoje não tem porque respeitar um Presidente que em nada vai condicionar o seu futuro e o seu presente. Houve jogadores que rejeitaram o Porto porque a obrigação para assinar era mudar de empresário. Outros que saíram do clube por isso mesmo. Que respeito se gere a partir de aí? Que profissional que sabe desde o primeiro momento pelo seu agente ou o seu fundo - e quantos jogadores tem o FC Porto a 100%? - que não vale a pena esforçar-se que tudo tem arranjo, vai realmente tomar a sério a peregrina ideia de um casting para 2016/17?

Pinto da Costa quis sacudir a água do capote ao culpar treinador pretérito e o plantel da situação actual e lançou a Operação Triunfo Dragão 2016/17 em que cada jogador tinha seis jogos para mostrar o que valia. Mourinho (não o Presidente) fez isso em 2002 mas com um discurso totalmente diferente (eu sou o treinador, eu decido o vosso futuro e quem não me responder, comigo não joga) algo que Pinto da Costa não pode fazer (nem o treinador está seguro). No balneário seguramente ninguém o levou a sério. Os que sabem que vão sair sim ou sim, riram-se. Os que sabem que vão ficar, sim ou sim (porque os contratos são de longa duração, porque o Fundo exige, porque o empresário é amigo), também. Os putos da formação, que antes teriam tremido por todos os poros, agora sabem que são moeda de troca fácil e que comer a erva já não chega para terem direito a uma oportunidade se outros valores falarem mais alto. Enfim, num plantel de 25 jogadores e mais uns trocos, a imensa maioria estaria a jogar á consola ou a preparar-se para sair pela zona industrial em vez de ouvir o presidente. E os que o ouviram tiveram de contar algumas gargalhadas. Se havia alguma dúvida, o jogo do Tondela desfez isso mesmo. Ninguém se atreveria a não morrer em campo noutro tempo, por outro Pinto da Costa. Agora? Who cares..

Pinto da Costa já não é respeitado nem sequer por aqueles que foram, realmente, durante três décadas, os seus maiores aliados. A Pinto da Costa os jogadores raramente falharam porque lhe deviam tudo e o sabiam. Mas já ninguém deve nada a quem não se sabe dar ao respeito e entrega o clube a um destino que o próprio Pinto da Costa, o de 1982, acusaria de indigno. Os jogadores ligam aos seus agentes, ás marcas que os calçam, aos fundos que são os seus reais donos. Fomos nós que quisemos entrar por esse caminho quando dinamitamos a cultura de clube. Foi Pinto da Costa o padrinho dessa metamorfose. Seguramente houve mais dinheiro para distribuir por todos mas o respeito perdeu-se. Hoje poucos respeitam o FC Porto mas menos ainda respeitam a palavra do seu Presidente.

16 comentários:

Anónimo disse...

Totalmente de acordo com a análise

O Fc Porto vendeu barata a sua mística e a sua identidade desportiva aos fundos caros que nos cobram couro e cabelo.

Se não alterarmos o modus operandi encontraremos um novo abismo ao virar de cada esquina

Que os milhões de portistas não precisem de mt tempo para perceber isso mesmo ou a chama do dragao correrá risco de extinção

Saci Pererê disse...

Muitas das criticas que leio no Reflexão são infundadas, exageradas baseadas em crenças ou ódios de estimação, mas esta deu na mouche. Também penso que este é o maior problema da SAD, e depois vem as escolhas de treinadores e termina numa estrategia de comunicação insipiente.

Unknown disse...

É verdade. Saudades desses tempos em que o FC Porto era campeão TODOS os anos e TODOS os anos dava cartas na Liga dos Campeões. A maioria do plantel era composto por jogadores formados no FC Porto, a minoria eram estrangeiros que eram jogadores à Porto que ficavam cá dos 20 anos até ao fim da carreira. Ah espera....ISSO NUNCA ACONTECEU!!!

Miguel Lourenço Pereira disse...

Miguel,

"É verdade. Saudades desses tempos em que o FC Porto era campeão TODOS os anos e TODOS os anos dava cartas na Liga dos Campeões. A maioria do plantel era composto por jogadores formados no FC Porto, a minoria eram estrangeiros que eram jogadores à Porto que ficavam cá dos 20 anos até ao fim da carreira. Ah espera....ISSO NUNCA ACONTECEU!!!"

Não ler dá nisto.
O artigo cita, propositadamente, os casos de Deco, Zahovic (cada um por um lado) para demonstrar que para além dos jogadores da "casa" ou dos "portugueses", o respeito e admiração de PdC se construiu na sua relação com os que não eram de aqui e aprenderam a cultura do clube.

Rodrigo Guedes Medeiros disse...

Artigo VER-GO-NHO-SO! Nem o mais fanático e cego anti-portista escreveria melhor! Parabéns pelo serviço prestado ao inimigo!

Soluap disse...

É isto mesmo.Concordo com tudo.Agora não somos um clube mas um entreposto de jogadores em que as comissões falam mais alto que os títulos. É hora de mudar o paradigma já é não esperar sentados mais 4 anos.

Unknown disse...

Não pensar também dá nisto. Não dá para fazer em 2016 o que se fez em 1996. Entretanto passaram-se 20 anos e muita coisa aconteceu.

Pedro disse...

É sempre bom saber que existem portistas que sabem sempre, sempre, como é que o balneário se sente. Quem está bem e está mal. Quem está disposto a morrer em campo ou não.

O mais curioso de tudo é que estes sabichões são os primeiros a desresponsabilizar por completo um treinador que destruiu em muito pouco tempo o pouco de bom que a equipa tinha. Em Paços eu vi a vontade, eu vi a garra. Só não vi foi inteligência em campo. Os jogadores podem correr kms, se não sabem o que fazer e para onde correr é tudo em vão.

Depois vem a conversa demagogica da cultura do clube, das marcas, dos fundos, dos agentes. Sim porque o FCPorto, pasme-se, é o único clube na Europa cuja realidade é esta! Mas foi Pc quem quis entrar por este caminho!Foi PC que disse a 99% dos jogadores no mercado para arranjarem um agente! Até aos juniores! Deviamos ter mandado o safado do R.Neves embora, dado que tem agente desde os 15 anos.

Querem culpar PC de alguma coisa, culpem-no por 3 péssimas escolhas sucessivas de treinadores.

Quanto ao resto já parece doença. Suspeito que os sabichões em breve vão descobrir que os jogadores fizeram reuniões secretas onde se queixaram do hálito de PC.

Ps: O ultimato de PC não foi antes do jogo com o Tondela meu caro. Foi depois. Quer criticar, então tente ser mais factual e falar menos com a emoção. Isso retira sentido a tudo.

Miguel Lourenço Pereira disse...

Claro que não Miguel, entre outras coisas porque a dependência provocada pela direção dos fundos e dos empresários tirou a margem de manobra que já existia em 1996.

Lápis Azul e Branco disse...


Um artigo na sua maioria interessante e a propósito, que merecia um título mais condizente. E já agora, mais respeitoso.

E é com respeito que pergunto ao MLP com que propriedade é que se dispõe a afirmar que os jogadores não respeitam o presidente? Das suas observações e consequentes deduções?

Se sim, não acha que seria preciso mais informação para ser tão taxativo e até, em minha opinião, ofensivo para com o presidente?

Se não, lamento dizer-lhe, anda mal informado. A grande maioria dos jogadores tem profundo respeito por ele. Já pelos demais dirigentes...

Concordo em pleno com a perda da ligação quase paternal que antes existia pela proximidade e pelo CARÁCTER do presidente, que hoje, como bem diz, já não acontece, por vários motivos. E essa ausência sem dúvida que se traduz no quase desaparecimento da forja do espírito Porto de outrora.

Mas mesmo que o presidente tivesse de novo 40 anos, acha que hoje seria possível continuar a tratar os jogadores como meninos e que eles aceitariam todo esse conjunto de regras? Não pode achar. Os tempos são muito diferentes, a informação circula de forma instantânea e a gestão humana tem que ser feita de outra maneira.

Gosto de ler o que escreve, mas confesso que já me incomoda o azedume para com o presidente. Bem sei que tenho sempre a opção de deixar de ler, mas por enquanto não desisto.

Abraço portista,
LAeB : Do Porto com Amor


Jose Manuel Silva disse...

O que lei o neste blog deixa me de boca aberta....

Miguel Lourenço Pereira disse...

Lapis,

"Se sim, não acha que seria preciso mais informação para ser tão taxativo e até, em minha opinião, ofensivo para com o presidente?"

Não, tenho a informação suficiente para escrever o que escrevi, caso contrário não o teria feito. Quanto a ser ofensivo ou não, se Pinto da Costa se sente ofendido, será problema dele. Também foi por sua (in)acção que a situação chegou ao que chegou e isso sim é uma ofensa a milhões de portistas.

Unknown disse...

A " informação suficiente" foi obtida "Via Mendes"? É que se foi estamos conversados.

vidente mor disse...

sim tudo muito certo e atao no benfica como e? esta tudo com vieira? ou gabriel= ou rui costa? e no esporting esta tudo com bruno? ou com jesus? no benfica o que se ve e propaganda organizada pela gabriel e pela media oficiosa uma rede muito bem montada onde ate os ex jogadores so dizem bem daquilo e colinho e no esporting propaganda desorganizada mas vao fazendo barulho e beneficiam om isso. O benfica copiou o porto e melhorou a comunicaçao para o exterior, o esporting o mesmo. O porto parou no tempo, pinto da costa esta velho quer ele queira quer nao e ja nao tem as capacidades que tinha e depois nao arranjou juventude para o ajudar nesta fase, continuam a ser os mesmos caqueticos como murcao do agora admin que ate nem sei bem o nome. PINTO DA COSTA OU FAZ ALGO NA PROXIMA EPOCA OU DEMITIR SE A, nao vai aguentar a pressao.

meirelesportuense disse...

"Um presidente que nem sequer é respeitado pelo balneário..."

Unknown disse...

Olá .
Já leio o blog á uns bons anos e é a minha leitura de referência no que toca a assuntos do FCP. Apesar de ser benfiquista concordo com a analise e acrescento que o apito dourado foi um golpe rude na estrutura, acho até que as suas repercurssões estão ainda a ser sentidadas e parece-me que só um ciclo presidencial completamente novo possa trazer um FCP ganhador e forte como nos habituou. Para mim é obvio que PDC só se mantêm em funções por falta de alternativa, mas para haver uma verdadeira alternativa terá de ser o próprio a se afastar e a dar lugar a outro. As raizes de 30 anos a frente de um clube sao muito profundas e nao é facil desenraizar uma personagem mitica como PDC