terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Até ia ver os treinos…


Final da Taça de Portugal da época 1979/80 (fonte: Reportv dedicado a Pedroto)


«Bo, o cão-d’água português que mora na Casa Branca, usa uma coleira de cortiça por cortesia de Sandra Correia, a portuguesa de 40 anos que acaba de ser eleita pelo Parlamento Europeu como a empresária do ano 2011 no Velho Continente. (…)
César Correia, o pai de Sandra e antigo árbitro, aproveitou os conhecimentos do mundo do futebol para se tornar fornecedor dos cavas catalães e dos champagnes franceses. (…)
Durante a infância e início da adolescência era um ferrinho no Estádio da Luz, a ver treinos e jogos, pela mão do pai. “Lá em casa sempre fomos todos do Benfica” conta [Sandra], recordando o dia em que foi expulsa da aula, em São Brás de Alportel, por estar a ouvir um relato radiofónico de um jogo do clube do seu coração numa quarta-feira europeia. (…)
[Sandra] admirava Carlos Manuel, Bento e Veloso, que conheceu pessoalmente quando acompanhava o pai árbitro. (…)
[Sandra] está desde pequena habituada a lidar com jornalistas – quando andava com o pai para todo o lado conviveu muito com veteranos jornalistas de A Bola e do Record. (…)
No fim do curso, fez um estágio no Record. (…)»
in Notícias Magazine (suplemento do JN e do DN), 04/12/2011


Por vezes, é muito interessante quando as pessoas falam do passado de forma aberta, descomplexada e sem tabus, abordando facetas da sua vida que, de outra maneira, nunca seriam do domínio público. Foi isso que senti ao ler o artigo sobre Sandra Correia, publicado na revista Notícias Magazine que veio com o JN do passado Domingo.

No que ao futebol diz respeito, a infância e adolescência de Sandra Correia, filha do ex-árbitro César Correia (se não estou em erro, o primeiro árbitro algarvio a chegar a internacional), é reveladora dos meandros de um certo período do futebol português. O pai, árbitro da 1ª categoria, levava-a consigo quando ia ver jogos e treinos (!!) do seu slb, apresentava-a aos craques encarnados e os dois conviviam animadamente com jornalistas de A Bola e do Record.

Passados 30 anos, estes episódios familiares, contados de forma descontraída, mostram como o futebol português era tão puro e transparente nos anos 60 e 70… De facto, não havia qualquer tipo de promiscuidade entre árbitros, dirigentes, jogadores e jornalistas…

Ao contrário do que se passa actualmente, em que é conhecido, ou mesmo assumido pelos próprios, o benfiquismo de diversos árbitros internacionais (Olegário Benquerença, Bruno Paixão, Duarte Gomes, Pedro Proença), no tempo de César Correia eram todos do Oriental, Atlético ou Olhanense.

Deste modo, talvez por desconhecer a enorme paixão que César Correia nutria pelo slb, ou então como prémio de carreira, a FPF nomeou-o para uma das finais da Taça de Portugal mais polémicas de sempre, na época 1979/80. Vale a pena recordar este jogo, realizado a 7 de Junho de 1980, em que adeptos do SCP e do Belenenses juntaram-se aos benfiquistas no Jamor e reeditaram o célebre BSB (Benfica - Sporting - Belenenses), unindo forças contra os portistas que rumaram do Norte.

Num jogo disputado praticamente em casa, e com o apoio da “união nacional”, o slb de Mário Wilson venceu o FC Porto de Pedroto por 1-0.
No final, o inesquecível Zé do Boné, para além de se queixar de uma grande penalidade sobre Fernando Gomes que César Correia não assinalou, disparou noutras direcções:
Perdemos o Campeonato [para o SCP] e a Taça por causa dos 'penaltys' que ficaram por marcar. Se o prejudicado fosse o Benfica julgo que estariam já marcadas manifestações de rua, pedindo a demissão do Governo. O treinador do Benfica, com o ar esfíngico que lhe é característico, lançou a pedra e escondeu a mão, suplicando controlo anti-doping. Gostaria, contudo, que me fosse explicado o comportamento do jovem e talentoso Carlos Manuel que me pareceu, estranhamente, de cabeça perdida e que, na minha frente e nas barbas do fiscal de linha, agrediu Lima Pereira. O circo voltou a descer à cidade. O futebol é uma selva e vou sair dela”.

Mas voltando a César Correia, e já depois de largar o apito (não sei se durante a sua carreira terá recebido algum dourado ou de outras cores…), continuou ligado à arbitragem fora dos relvados.

Um dos serviços que prestou, presumivelmente como colaborador do slb (de quem haveria de ser?), foi o de acompanhar árbitros estrangeiros quando estes vinham arbitrar jogos à Luz, tendo sido visto com Marcel Van Langenhove na casa de diversão nocturna 'Elefante Branco', após o célebre slb x Marselha (o da mão de Vata).

Também a Liga de Clubes requisitou os bons serviços de César Correia, o qual, entre 2001 e 2009, presidiu à Comissão de Análise da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (comissão de avaliação de juízes e observadores).

Após ter deixado estas funções, Cruz dos Santos, um dos veteranos jornalistas de A Bola, dedicou-lhe um texto sentido, do qual extraio a seguinte parte:
«Foi no dia 30 de Junho de 1959 que o algarvio César da Luz Dias Correia, então com 24 anos de idade, fez exame para árbitro de futebol. Ficou aprovado, fez longa e bonita carreira, ganhou paixão pela arbitragem, viu-se por ela chamado para diversos cargos, colheu várias distinções (…).
Como árbitro, César Correia não terá chegado tão longe quanto podia, porque nunca foi de “vida social”, preferiu sempre a tranquilidade de S. Brás de Alportel. Mas, mesmo assim, bem pode orgulhar-se de, numa carreira de 23 anos, ter feito os últimos nove no escalão de internacional.»

E pronto, assim se escreveu, e escreve, a história do futebol português.

16 comentários:

ℕℯℓsση ℳαcℎα∂σ disse...

Nããããããão. Ai meu Deus.
A verdade desportiva dos tempos áureos do mais melhor clube de lisboa a ser posta em causa?
Então o clube impoluto (lol) afinal tem na sua história casos destes? Do que esta gente é capaz de dizer.

Obrigado e parabéns.
Um trabalho jornalístico(penso que o José Correia nem jornalista é) simples, lógico e de conclusões óbvias mas nunca ninguém, neste país carregado de "jornaleiros", tinha antes reparado.

Ele há coisas... que estão à vista de todos mas que não convém que se vejam.
Azar. Há quem veja e quem chame a atenção dos outros e só é pena que o Reflexão Portista não tenha mais capacidade de abrangência e que este meritório trabalho não seja mais difundido. Merecia ser lido num jornal nacional.

HULK 11M disse...

Para todos os da minha geração, isto que o José Correia aqui relata são apenas "trocos" em relação ao muito do que se passou.
São tantos os episódios...
Deixo mais um para exemplo: A célebre "finalíssima" da Taça de Portugal, entre FCP e SCP, roubada de forma escandalosa por um árbitro (Porém Luís ?), que no dia seguinte ao jogo, embarcou com a equipa leonina rumo à China, onde esse clube foi fazer uma digressão de fim de época!! ! Onde estavam as procuradoras Morgados e os lutadores da verdade desportiva da época??
Caros Amigos do RP: que nunca se cansem de vir até aqui recordar esses roubos para que os mais novos possam compreender porque existiu um "apito dourado" e não podem existir apitos verdes ou encarnados!

Pedro disse...

Tendo "apenas" 34 anos não vivi nada disto. Mas o excelente Reportv sobre Pedroto por acaso tinha essa famosa cena da agressão do Carlos Manuel com o fiscal de linha a olhar. Eram de facto outros tempos que infelizmente são apagados e silenciados.

E que bonito era a união dos 3 lisboetas. Ser adepto do Porto nessa altura devia ser ainda mais fantástico.

Alexandre Burmester disse...

Não foi o Porém Luís, caro HULK 11M, mas sim o Mário Luís,o qual adquiriu a alcunha de "o chinês" por causa dessa viagem.

Abraço.

Maria Da Fonte disse...

Recordo-me de isso e muito mais mas não quero estar a bater em mortos.
PORTO PORTO PORTO

InVicturioso disse...

Caro José Correia,

muito obrigado por esta bela licao de história muitíssimo interessante para os adeptos mais novos como eu que, felizmente, só conhecem o Porto esmagador e hegemoníaco dos últimos 25 anos.

Os outros podem autointitular-se do que bem entenderem, mas eu que vivo no estrangeiro, sei bem qual é o único clube Portugues que é respeitado e admirado por essa Europa fora.

Abraco e continuacao do excelente trabalho.

Velasquez disse...

Que grande categoria de post, Zé.

PeidoMestre disse...

Excelente texto José Correira! Já tinha lido o texto do ABoronha e com 33 anos confesso que desconhecia estas pérolas do passado...
Todos ao Dragão, que hoje joga o nosso PORTO

Cumprimentos!

José Correia disse...

Alexandre Burmester disse...
Não foi o Porém Luís, caro HULK 11M, mas sim o Mário Luís,o qual adquiriu a alcunha de "o chinês" por causa dessa viagem.

Nessa viagem à China foram os dois, o Porém Luís (AF Leiria) e o Mário Luís (AF Santarém).

Esta história foi contada nos primórdios do 'Reflexão Portista', em 19/03/2008, numa altura em que andei, durante umas semanas, a publicar o 'Dicionário do Sistema' (ficou muito incompleto).

Pode ser relida em:
http://reflexaoportista.blogspot.com/2008/03/dicionario-sistema-mario-luis.html

José Correia disse...

Agradeço os elogios ao texto que publiquei, mas o importante é não deixarmos que se branqueie, ou reescreva, a história do futebol português.

A visão que a comunicação social lisboeta tenta propagar, de que os "bons", os bacteriologicamente puros, estão na capital e que os "maus" são os malandros do Norte, além de falsa é muito perigosa.

Enquanto houver 'Reflexão Portista', irei continuar a denunciar e a relembrar aquilo que outros tentam esconder.

Fernando disse...

José Correia: excedeu-se!!!!
Extraordinário "apanhado" e extraordinário post. Parabéns.
Com os devidos créditos, vou copiar para o meu blogue, mais, vou divulgar por e-mail para todos os meus contactos Dragões.
Na realidade, este "boneco" demosntra de forma fiel aquilo que alguém apelidou, "fazer as coisas pelo outro lado"...
Magnífico, extraordinário e ....

Um abraço!

Jorge disse...

Aqui ha uns tempos um blog publicou uma sequencia de textos sobre o Calabote.
Acho que seria interessante juntarem-se historias deste tipo e manter um arquivo vivo a lembrar como funcionava e ainda funciona o sistema.
Sendo verdade que o Benfica tem largos milhoes de adeptos e obvio que num pais da dimensao de Portugal a sua influencia impregne toda a estrutura desportive, politica e social portuguesa. Isto cria desiquilibrios obvios a favor do Benfica e seria importante que o peso dessas influencias fosse reconhecido e reduzido oficialmente.

José Correia disse...

Jorge disse...
Aqui há uns tempos um blog publicou uma sequência de textos sobre o Calabote.

Não terá lido esses textos aqui, no 'Reflexão Portista'?

Ver:
http://reflexaoportista.blogspot.com/2009/03/o-caso-calabote-x.html

Free Picks disse...

Hulk o gajo mais fraco que já vi jogar no dragão, e o que merece mais atenção por toda a gente, nunca me enganou, esse gajo vale zero, marca grandes golos, claro, a rematar mais de 20 vezes à baliza alguma terá forçosamente de entrar. Vendam esse gajo, ele não vale 5 milhões, 100 milhões é paródia.

condor disse...

Cesar da LUZ!Percebem?Cesar da LUZ!!!
Então?Querem que faça um desenho?
Cesar da Luz,Valente da Luz,Lucilio da Luz!
E que tal Nuno Luz para completar o ramalhete?
Já sei!O nuno não é árbitro!Ainda bem...
Tambem temos um free picks "picks= a porcos em amaricano" que de certeza tambem é da luz!
Agora vou apagar o candeeiro!Boa noite!

Keyser Soze disse...

Obrigado pela lição de história. Nunca a esquecerei. Farei a minha parte e vou divulgá-la, garanto.