domingo, 23 de novembro de 2008

Pinto da Costa, o F.C.P. e os Políticos

A propósito do interessante artigo do Mário Faria sobre as relações entre Rui Rio e o F.C. Porto e da posição do presidente da Câmara Municipal do Porto acerca da “promiscuidade” entre política e futebol ocorreu-me historiar em breves linhas o que foi ao longo dos anos a atitude do próprio presidente do F.C. Porto em relação à política e aos políticos. Se nos dermos ao trabalho de recuar no tempo chegaremos à conclusão de que, de certa maneira, Jorge Nuno Pinto da Costa foi, nesse aspecto, uma espécie de imagem simétrica de Rui Rio.

De facto, logo desde os tempos do “Verão Quente das Antas” de 1980 que Pinto da Costa se insurgiu contra a intimidade entre o clube e a política, especialmente a propósito do cargo de deputado a que o presidente da altura, o Dr. Américo Sá, acedera devido à notoriedade que a presidência do clube lhe dera. Mais, no âmago da questão em liça nesse atribulado verão, estava o que Pinto da Costa, José Maria Pedroto e outros viam como a submissão do Dr. Américo Sá à vontade de colegas seus de bancada com posições de relevo no panorama futebolístico da capital, entre os quais o Dr. Martins Canaverde, antigo presidente do Benfica e da F.P.F. Teria sido, na óptica da facção “pintista” de 1980, por pressões de Canaverde & Cª que Américo Sá acabara por deixar cair Pinto da Costa do cargo de chefe do departamento de futebol, com isso arrastando a demissão de Pedroto e todos os factos daí decorrentes.

Foi, pois, a distanciação do clube da política e dos políticos uma das palavras-fortes da campanha de Pinto da Costa para a presidência do clube em 1982. E, se bem o pensou, melhor o fez. De facto, nos primeiros anos do seu consulado, Pinto da Costa manteve uma linha inflexível no trato com os políticos, bem ilustrada por dois episódios: em 1986, aquando da participação da selecção nacional no Campeonato do Mundo do México, o recém-eleito Presidente da República, Dr. Mário Soares, convidou os presidentes dos clubes com jogadores na selecção para assistirem com ele em Belém, pela televisão, ao jogo inaugural da nossa equipa contra a Inglaterra. Todos marcaram presença. Todos? Não! A Norte um resistente rejeitou o convite e primou pela ausência: o presidente do F.C. Porto.

De igual modo, poucos anos depois, o Engº Armando Pimentel, de saudosa memória, vice-presidente do clube, foi eleito vereador da Câmara Municipal do Porto e, acto contínuo, demitiu-se do cargo que ocupava no clube, por tácita e implícita incompatibilidade de funções. Aliás, o próprio Jorge Nuno Pinto da Costa foi várias vezes sondado pelos mais díspares partidos (creio que, segundo o próprio, apenas com a excepção do P.C.P.) para uma possível candidatura à Câmara e sempre o recusou. Ao contrário de muitos outros, cargos no futebol e na política eram para ele incompatíveis (posição que, estou certo, manterá).

Mas, de um período inicial de total ou quase total alheamento do clube, sob Pinto da Costa, do mundo da política, começaram a dar-se alguns passos de aproximação. O princípio da não ingerência nos assuntos políticos era inatacável mas - terá Pinto da Costa pensado – algum contacto aqui e ali não seria prejudicial ao clube, antes pelo contrário, já que não era para ele próprio que algum dia procuraria tirar vantagens de um relacionamento com os políticos. O primeiro desses passos veio a ter lugar no relacionamento de Pinto da Costa com o Gen. Ramalho Eanes, que conheceu através de um amigo comum, o comendador António Gonçalves Gomes, “o Samarra”. Esse relacionamento viria a dar lugar a uma grande amizade, como é do domínio público. E em Eanes Pinto da Costa encontrava, aliás, um político bem à sua medida: era, por excelência, o político anti-políticos, e até criara um partido anti-partidos.

É com mágoa que actualmente vemos a equipa do F.C. Porto não ser recebida nos paços do concelho aquando dos seus êxitos, e da varanda dos mesmos festejar com a massa anónima dos adeptos. Essa suposta tradição (um bom hábito, diga-se) foi quebrada pelo Dr. Rui Rio. Mas a verdade é que se não tratava de tradição alguma: antes da presidência do Dr. Fernando Gomes nunca as equipas do F.C. Porto eram recebidas na Câmara para daí festejarem com os adeptos.
Nem mesmo no tempo do antecessor do Dr. Gomes, por sinal um antigo vice-presidente do F.C. Porto, o Dr. Fernando Cabral, tal se verificou, inclusivamente aquando da vitória na Taça dos Campeões Europeus em 1987. A Câmara Municipal do Porto ignorava o clube mais importante da cidade e a este, por sua vez, desagradava o convívio com os políticos.

O atrás referido Dr. Fernando Gomes foi, pois, o precursor do estreito relacionamento entre câmara e clube. Mesmo antes de chegar ao topo da edilidade tripeira o Dr. Gomes, sobre quem, aliás, sempre pendeu uma nunca satisfatoriamente desmentida suspeição de sportinguismo, ensaiara já uma aproximação (alguns diriam colagem) ao F.C. Porto. Efectivamente, na qualidade de euro-deputado convidou o nosso bi-Bota de Ouro, também ele Fernando Gomes, para ser apresentado no Parlamento Europeu. Na sua gentileza o Dr. Gomes, que já fora presidente da Câmara de Vila do Conde, sua terra natal, mais do que apresentar o seu homónimo aos deputados de Estrasburgo, pretenderia era apresentar-se ele mesmo aos eleitores tripeiros.

Não sei se alguém algum dia votou no Dr. Gomes levando em conta a sua simpatia para com o F.C. Porto mas, caso isso tenha acontecido, aí sim, estaríamos perante um caso a merecer reflexão política e sociológica, para usar a expressão do Mário Faria. Bem sei que, por causa do futebol, até dois países da América Central em tempos se envolveram em guerra, mas daí a acreditar que o portuense médio, mesmo adepto do F.C. Porto e com toda a paixão pelo clube, dê muito relevo a aspectos dessa ordem na hora de votar em eleições autárquicas, vai uma distância. Isso mesmo explicará o aparentemente paradoxal reforço de votação do Dr. Rio de 2001 para 2005, manifestamente não afectado pela sua antipática posição para com o F.C. Porto.

Sejam as coisas como forem, o Dr. Gomes, aquando do anúncio público da sua tentativa de reconquista do lugar de presidente da edilidade em 2001, estava ladeado por Jorge Nuno Pinto da Costa. Este não estava ali como presidente do F.C. Porto, mas JNPC e o presidente do F.C. Porto são a mesma pessoa, além de que o apoio público de JNPC, se nunca tivesse sido presidente do FCP, pouco interessaria ao Dr. Gomes. Decerto que Pinto da Costa manifestou esse apoio por motivos para ele bons e sãos, mas as aparências são, em muitos aspectos da vida, fundamentais. Nada terá, portanto, impedido o Dr. Rio de, na sua sanha anti-“promiscuidade” e na sua imaginação aquecida pelo fragor da luta eleitoral, ter achado que defrontava realmente Pinto da Costa e não o Dr. Gomes, e que a sua vitória acabou por ser sobre JNPC e não sobre o candidato socialista. Ele próprio, aliás, declarou depois de eleito que a sua vitória se fizera contra “os poderosos”. Nessa sua sanha a figura de Pinto da Costa teria assim assumido na imaginação do Dr. Rio contornos semelhantes aos de um cacique saído das páginas de um romance de outro eminente portuense, Júlio Dinis.

Perguntar-se-á: e se Pinto da Costa não tivesse apoiado o Dr. Fernando Gomes em 2001, teria a atitude do Dr. Rui Rio no caso do Plano de Pormenor das Antas sido diferente? Isso, ninguém pode dizer, mas cada um que avente a sua hipótese.

De toda esta saga de distanciamentos e aproximações entre Jorge Nuno Pinto da Costa e os políticos uma conclusão me parece legítimo tirar: JNPC gere essas relações conforme lhe parece convir ao F.C.P. em cada momento; nunca se aproxima de um político por qualquer interesse pessoal, nem pelos seus lindos olhos. Fá-lo friamente e em nome do que considera ser o interesse do F.C. Porto, e em nome desse mesmo interesse, tal como se aproximou, pode afastar-se. Jorge Nuno Pinto da Costa tem um lado sentimental na sua actividade à frente do F.C.P., mas reserva-o exclusivamente para aqueles que, como atletas, treinadores ou adeptos, estão directamente ligados à vida do clube.

11 comentários:

HULK 11M disse...

Excelente documento, com o qual concordo inteiramente!
Parabéns!

Nelson Carvalho disse...

Com este excelente artigo onde é descrito o relacionamento entre Pinto da Costa (enquanto presidente do FC Porto) com os politicos e, em especial, os poderes politicos locais, facilmente se chega à conclusão que o Clube pode muito bem sobreviver sem andar a fazer "colagens" aos autarcas da cidade do Porto e, muito menos, com figuras do Poder Central.

Sobre a questão que o Alexandre nos coloca se a atitude de Rio acerca do PPA teria sido diferente se Pinto da Costa não tivesse apoiado Fernando Gomes em 2001, parece-me que talvez as coisas não teriam chegado ao ponto em que chegaram.

Porem, ao longo do(s) mandato(s) de Rio na CMP, tem-se verificado da sua parte uma tendência para extremar posições ao ponto de quase inviabilizar o dialogo entre partes, sempre que entra em conflito público com alguma personalidade ou entidade. Foi assim no caso do FCP/PPA, foi tambem no caso do túnel de Ceuta/Museu Soares dos Reis Vs Ministra da Cultura e está tambem agora a ser no caso da expansão da rede do Metro do Porto Vs Ministro dos Transportes, Mário Lino.

HULK 11M disse...

Nelson Carvalho: "... facilmente se chega à conclusão que o Clube pode muito bem sobreviver sem andar a fazer "colagens" aos autarcas da cidade do Porto e, muito menos, com figuras do Poder Central..."

Também apoio essa ideia.

Quanto aos exemplos que dá acerca dos "maus fígados",(ou complexos dum provinciano que quer estar nas boas graças do jet set da capital) muitos outros exemplos existem e, curiosamente, com figuras de referência da cidade.
Aqui vão mais alguns exemplos, para engrossar a lista:
- Seiva Trupe;
- Teatro Experimental do Porto;
- Portugal Fashion;
- Pedro Burmester vs. Casa da Música;
- Manuel de Oliveira;
- Teatro Rivoli;
- Coração da Cidade;
- Avenida dos Aliados;
- Jornal de Notícias
E por aí fora...

HULK 11M disse...

- Fantasporto;
- FITEI;

Anónimo disse...

Caro Hulk Onze Milhas,

Acho que isto é um espaço para discutir o F.C.P e não uma área de propaganda política, pelo que acho desenquadrados os comentários que faz acerca do presidente da câmara do Porto.

Não pretendo entrar pelo mesmo caminho, mas que têm os casos Rivoli, Pedro Burmester, Av. Aliados, etc. a ver com uma suposta vontade de cair nas boas graças do "jet set da capital"? Isso não faz sentido nenhum. Cada um é livre de se opor ou de apoiar o Dr. Rui Rio, mas qualificar cada um dos seus actos mais polémicos como sujeição à capital é que, do meu ponto de vista, encerra uma atitude provinciana, com o devido respeito. Critique-se o homem mas com sensatez e sentido das proporções.

Posto isto, gostei do artigo. Neste mundo nem tudo é preto ou branco, há muitas zonas de cinzento. Se calhar não era aí que o autor queria chegar, mas houve muita incoerência por parte de PC nas suas relações com os políticos.

Mefistófeles disse...

Caro V.R: é evidente que há muita incoerência de PC relativamante aos políticos. Como haveria se fosse eu ou o meu amigo. Com uma classe tão reles e medíocre, pergunto se é possível ser coerente.

HULK 11M disse...

Prezado V.R.:
Propaganda política?? Nem pense!! Por mim, e com as devidas adaptações, com o mesmo gosto que aperto a mão aos meus amigos... também apertava o pescoço aos políticos... de qualquer um dos partidos actualmente existentes!.-)
E se isto é ser provinciano, posso dizer-lhe que tenho muito gosto em ser provinciano do Porto, apesar de já ter feito "estágios" em grandes cidades como Lisboa, Paris, Londres, Nova Iorque, Dallas, Montreal, etc... Mas o meu provincianismo não me deixa vontade de trocar o meu Porto por nenhuma dessas! É aqui que me sinto bem!
Aproveito para lhe lembrar a dúvida lançada pelo autor do texto:
"... Perguntar-se-á: e se Pinto da Costa não tivesse apoiado o Dr. Fernando Gomes em 2001, teria a atitude do Dr. Rui Rio no caso do Plano de Pormenor das Antas sido diferente? Isso, ninguém pode dizer, mas cada um que avente a sua hipótese...."
Ora é a essa dúvida que eu respondi, com factos, para dar a minha opinião de que Rio fez guerra a tudo quanto mexia pela positiva na nossa Cidade.
Logo, e em minha opinião, mesmo que o Presidente do FCP se mantivesse afastado dos políticos, tudo leva a crer que o FCP seria na mesma ferozmente perseguido como o foram outras instituições e figuras da Cidade.
Lembro que Rio chegou a afirmar que "poderia estar a perder popularidade no Porto mas que estava a ganha-la no resto do País"!
Afinal... a quem queria agradar o Presidente da CMP? Não seria aos seus vizinhos da residência que mantém na Capital?
Na mesma altura, O Benfica colou-se de forma muito mais descarada à candidatura do PSD contra o PS! Eu não noto que o PS, chegado ao Governo, tenha feito qualquer perseguição ao SLB. Algum dos meus Amigos nota?

José Correia disse...

Eu defendo que deve haver um "distanciamento higiénico" entre os dirigentes do futebol e os políticos como, aliás, Pinto da Costa preconizava no início dos anos 80. Cada "macaco no seu galho".

Contudo, nem 8 nem 80. Distanciamento não significa hostilidade. Distanciamento não significa perseguição.

O Porto cidade beneficia do facto de ter um clube que projecta o seu nome na Europa e no Mundo.

O Porto e, particularmente o seu tecido económico (cafés, restaurantes, hoteis, lojas, etc.), beneficia do facto de ter um clube que atrai à cidade milhares de adeptos de outros locais, nacionais e estrangeiros.

O Porto cidade-região beneficiam de haver a marca FC Porto.

Ora, tudo isto não pode, não deve, ser ignorado e muito menos menosprezado por quem gere os destinos da cidade.

Nuno Nunes disse...

O Dr. Rio é alguém que não sabe gerir os ódios que cria e por isso nunca teve - nem terá - a capacidade para distinguir distanciamento de hostilização.

A sua obra na cidade está à vista de todos e a história dirá se muitas das suas intervenções não terão servido para projectar a sua imagem "nacional" para uma futura candidatura à liderança do PSD.

Mário Faria disse...

Não só PdC fez amigos entre os políticos, segundo a oportunidade. Presidentes de clubes e outros, também.
Mas, o Presidente do FCP não representa a autarquia e muito menos a governa.
Daí que uma atitude mais egoísta, segundo a agenda do clube, não seja grave em termos políticos, pois não visam (nem visavam) a gestão do burgo. Para, além disso, acho justo declarar que PdC me pareceu sempre interessado e preocupado com a vida da cidade.
Na m/óptica o PPA e a "cidadela" que perspectivava, tendo como epicentro o Dragão, só beneficiava (beneficiou) a cidade e os portuenses. O FCP também. Há velhos do Restelo, da Luz de Alvalade ou de parte incerta, cá por esta banda e outras que pensam o contrário. É um direito que lhes assiste. Deixemos as águas pousar, que o tempo se encarregará de nos esclarecer.

Anónimo disse...

O personagem principal do artigo que escrevi era Jorge Nuno Pinto da Costa mas boa parte dos comentários preferiu focalizar-se em Rui Rio. Não era este último o tema principal do artigo.