domingo, 15 de fevereiro de 2009

Os Balanços Funcionais

A análise dos Balanços Funcionais (BF) baseia-se numa forma diferente de olhar o Balanço de uma empresa, procurando ultrapassar algumas limitações da análise financeira tradicional. A abordagem funcional debruça-se sobre o estudo do equilíbrio financeiro de uma organização, partindo de uma autonomização dos seus ciclos financeiros: ciclo de investimento, ciclo operacional e ciclo de tesouraria. Esta perspectiva recai sobre a análise do Balanço Funcional, elaborado a partir de diversos ajustamentos ao Balanço Contabilístico e procedendo à reclassificação de determinadas rubricas.

Balanços Funcionais (clique na imagem para ampliar)


Análise do Equilíbrio Financeiro

Através de uma observação do BF verificamos que, em todos os sete anos analisados à excepção de 2003-2004, a FC Porto, SAD se encontra numa situação financeira complicada, uma vez que os seus capitais estáveis são insuficientes para financiar o Activo Fixo (o que significa que o Fundo de Maneio (FM) é negativo em praticamente todos os anos), sendo que uma parte do ciclo de investimento está a ser financiada com exigível de curto prazo. A situação agrava-se até ao exercício de 2005-2006, conseguindo a sociedade uma importante recuperação no ano seguinte para voltar a um montante desfavorável em 2007-2008.

Por outro lado as NFM (Necessidades de Fundo de Maneio), que apresentam montantes “equilibrados” nos dois primeiros exercícios (2001-2002 e 2002-2003), disparam para cerca de 29 milhões de euros em 2003-2004 seguidas de uma redução substancial em 2004-2005 para a partir daí assumirem um crescimento, diria, preocupante até ao último exercício. Da relação (diferença) entre FM e NFM obtemos a Tesouraria Líquida e como se pode verificar esta foi sempre negativa nos vários anos analisados.

Como já foi referido no Reflexão Portista, o aumento dos montantes devidos por terceiros, quer em termos absolutos quer em termos relativos, indicia (i) falta de capacidade da sociedade para cobrança das dívidas que se vão acumulando ou (ii) alargamento voluntário dos prazos de recebimento como consequência do poder negocial de terceiros. Em termos práticos, a manutenção de uma Tesouraria Líquida muito negativa durante um espaço temporal tão alargado acentua o desequilíbrio e o risco de ruptura financeira. A FC Porto, SAD, diante deste cenário, apresenta uma débil capacidade negocial e uma forte dependência das fontes de financiamento.

A situação esteve relativamente controlada até 2003-2004, por força das campanhas de sucesso nas competições europeias e que proporcionaram a realização de consideráveis mais-valias com a alienação de passes de jogadores. Não obstante, a sociedade inverteu o seu FM para valores negativos e viu as suas NFM crescerem ao longo do tempo, o que significa que a prossecução da actividade está fortemente dependente de capitais alheios e das transacções de jogadores por valores muito elevados, o que não é, de todo, uma situação desejável (note-se que os capitais alheios – empréstimos bancários – embora tendo estabilidade, não são integralmente permanentes). A sociedade manteve-se numa situação de desequilíbrio desde 2003-2004 pois uma parte substancial das suas necessidades cíclicas continuou a ser financiada com recurso a operações de tesouraria de curto prazo.

De uma forma sumária, e apesar das frequentes mais-valias obtidas, a FC Porto, SAD não demonstra capacidade de inverter a sua tesouraria líquida para valores positivos, o que a coloca num problema de solvabilidade e de eventual risco, revelando uma elevada dependência do sistema bancário e uma forte exposição aos valores obtidos através da alienação de passes de jogadores.

Nota: a partir do ano 2005-06 a SAD passou a publicar as contas no novo normativo IAS/IFRS. No entanto optámos por fazer os ajustamentos para apresentação dos Balanços em POC para haver maior homogeneidade na análise aos vários anos. As diferenças originadas por esses ajustamentos não são significativas.

9 comentários:

Serafim Leite disse...

Meus parabéns pelo artigo, pelo menos aqui um autor preocupado com o seu clube, ao contrario de outros.

Mas em relação ao artigo, isto é um problema geral do futebol português, e se o FC Porto com os ganhos que teve com as vendas que faz, tem este prejuízo o que fará as outras equipas.. No entanto existe uma pequena solução, e que todos têm medo de falar que é os contratos televisivos com os Oliveiras, senão vejamos em Italia 60% dos gastos dos clubes vêm das receitas televisivas, 75% na Liga inglesa, e em Portugal apenas 30%, em inglaterra mesmo em tempo de crise este ano fez-se o maior contrato com a Sky UK valores astronómicos... Deixo a pergunta neste pais em que tanta gente consume futebol, os clubes não estão a ser explorados pelos oliveiras? sem sim então porque tanta paz sobre este tema? como um clube de futebol nacional pode negociar o contrato com eles por 7 e 8 anos? 22,5€ para sporttv em que o serviço deixa muito a desejar é muito dinheiro...

Jorge Aragão disse...

Parabéns pelo artigo, por isto este Blog é uma mais valia, discutem-se questões que vão para além das tacticas e da bola que bateu no poste.
Esta análise é muito preocupante - algo que já suspeitavamos - com a actual crise, a baixa no mercado de transferências, as dificuldades no crédito bancário, nas receitas por exemplo dos lugares anuais e assistências a jogos que podem baixar com o actual estado da economia, leva-nos a cer que há que tomar medidas drásticas que entre outras passem pelo emagracimento dos jogadores emprestados sob contrato e mais hipóteses dadas à prata da casa com qualidade que anda por aí dispersa, entre muitas outras...
Adivinham-se dificuldades e por isso ganhar o campeonato e estar na Champons é fundamental.Mais que nunca.

José Correia disse...

«uma elevada dependência do sistema bancário e uma forte exposição aos valores obtidos através da alienação de passes de jogadores»

Não há dúvida que é uma situação preocupante, conforme os números demonstram e o próprio Fernando Gomes reconhece.

Presumo que a anunciada aposta em jogadores do campeonato português (com passes e salários mais baratos), se enquadra numa estratégia de "apertar o cinto".

José Correia disse...

Portugueses continuam fora da "Liga do Dinheiro"
PAULO ANUNCIAÇÃO, em Londres
in O JOGO, 15/02/2009

Os clubes portugueses voltaram a ficar de fora da Deloitte Football Money League - o ranking dos 20 clubes de futebol com facturações mais elevadas na época passada (2007/08). A Deloitte olha apenas para as receitas operacionais tradicionais (direitos audiovisuais, proveitos comerciais, bilheteira) e não toma em consideração as transacções de passes de jogadores ou quaisquer receitas extrafutebol. Por essa razão, clubes de países de mercados secundários ou da periferia europeia, como Portugal, terão sempre muita dificuldade em entrar nesta "liga do dinheiro" (o Benfica foi o primeiro e único clube português a figurar na lista de Deloitte - no 20º lugar de 2005/06, com receitas de € 85,1 milhões - fruto da excepcional carreira europeia). No ranking de 2007/08, o Fenerbahçe (19º) é o único clube que não pertence aos chamados "Big Five" - as cinco ligas mais importantes da Europa (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália). Seguem-se outros destaques do relatório Deloitte Football Money League (2007/08) publicado a meio da semana:

Fenómeno Bayern

Apesar do Bayern de Munique não ter participado na Liga dos Campeões de 2007/08 - pela primeira vez desde 1996/97 -, as receitas do clube cresceram mais de € 72 milhões, passando de 223 para 295,3 milhões. Este aumento ficou a dever-se à aquisição da totalidade do estádio Allianz-Arena, anteriormente partilhado com o TSV 1860 Munique (este clube enfrenta problemas financeiros e o Bayern comprou a participação do rival na Arena). Graças a esta aquisição, as receitas de "hospitality", arrendamentos, "catering", visitas guiadas e "naming rights" subiram de forma substancial. O Bayern ocupa o quarto lugar do ranking e regressa ao Top 5 pela primeira vez em cinco anos.

Entradas e saídas

Estugarda (18º), Fenerbahçe (19º) e Manchester City (20º) tiveram receitas acima dos € 100 milhões e entraram no ranking de 2007/08. Celtic, Valência e Werder Bremen deixaram de integrar a lista dos mais ricos devido à desvalorização da libra (Celtic) ou à prestação insuficiente na Liga dos Campeões (Valência e Bremen não passaram da fase de grupos). O Manchester City registou um aumento considerável das receitas televisivas em 2007/08. O Estugarda aproveitou os benefícios comerciais da conquista do título alemão de 2007 e da participação na Champions de 2007/08. A entrada do Fenerbahçe - a estreia absoluta de um clube turco na lista da Deloitte - está directamente ligada ao brilharete da equipa na prova máxima europeia (quartos-de-final).

Aúpa! Madrid

O Real Madrid registou uma subida relativamente modesta de € 14,8 milhões (ou +4,2%) face às receitas de 2006/07. Mas isso foi suficiente para atingir nova soma recorde de €365,8 milhões - uma verba muito superior às receitas combinadas dos 32 clubes das duas divisões do futebol profissional português na mesma temporada (FC Porto, Benfica e Sporting tiveram proveitos operacionais de € 150 milhões em 2007/08). No sector comercial, os proveitos do Real baixaram € 7,4 milhões devido à falência do patrocinador BenQ Mobile e à saída de David Beckham (e consequente diminuição nas receitas de camisolas e de "sponsorship" associadas ao internacional inglês). Mesmo assim, o Real Madrid duplicou as receitas registadas em 2002 e assegurou o primeiro lugar no ranking, pelo quarto ano consecutivo, deixando o Manchester United - campeão da Inglaterra e da Europa - a uma distância de € 41 milhões. O enorme crescimento dos proveitos do United - de 212,1 para 257,1 milhões de libras (+21%) - foi esbatido pela forte desvalorização da moeda britânica. O clube de CR7 foi obrigado, assim, a marcar passo num ranking estabelecido em euros.

Desvalorização da libra

A enorme desvalorização (-20%) da moeda britânica, em 2008, teve influência directa no ranking. A Deloitte calculou as receitas dos clubes britânicos com base na taxa de câmbio (libra/euro) registada no dia 30 de Junho de 2008. Se a libra tivesse mantido o valor de 2007, por exemplo, nove clubes da Premier League ocupariam o Top 20, em vez dos sete actuais. E o Manchester United voltaria a ser o "clube mais rico", à frente do Real Madrid.

Futuro risonho

Os analistas da Deloitte consideram que os maiores clubes de futebol deverão atravessar os primeiros anos de crise económica global sem sofrer grandes mazelas. A enorme popularidade e base de apoio destes clubes, composta por adeptos fiéis e dedicados, aliada à longa duração dos respectivos contratos comerciais e de direitos televisivos, deverão garantir a estabilidade económica a curto e médio prazo. Clubes como o Real e o Barcelona prevêem, inclusive, receitas recorde em 2008/09 - de € 400 milhões e € 380 milhões, respectivamente. Na Inglaterra, na semana passada, os direitos televisivos da Premier League (2010/13) foram negociados em alta, envolvendo 1.782 milhões de libras (€ 2.016 milhões) - um valor 5% superior ao do contrato anterior.

André Vilas-Boas disse...

Está então confirmada dependência (anual) da SAD das mais valias dos passes para conseguir equilibrar as contas. Já agora era interessante saber se estas mais valias são contabilizadas como receitas extraordinárias, ou estão incopopradas no resultado operacional. Talvez este seja o modelo de negócio da SAD... Mas nesta época de regresso à sustentabilidade, e depois de ler este excelente artigo, a pergunta que gostaria de fazer é: E AGORA?

Nuno Nunes disse...

André disse:
"Já agora era interessante saber se estas mais valias são contabilizadas como receitas extraordinárias, ou estão incopopradas no resultado operacional. Talvez este seja o modelo de negócio da SAD... Mas nesta época de regresso à sustentabilidade, e depois de ler este excelente artigo, a pergunta que gostaria de fazer é: E AGORA?"

Caro André,
Os proveitos obtidos com a alienação de passes de jogadores são contabilizados como proveitos operacionais desde 2005-2006 uma vez que foi a partir desse exercício que a FC Porto, SAD passou a publicar as suas contas no novo normativo IAS/IFRS que não contempla a existência de proveitos extraordinários.

Quanto ao futuro, a SAD poderá tomar, entre muitas outras, as seguintes medidas:
- fazer um esforço para reduzir a sua dependência do endividamento bancário,
- reduzir os prazos dos créditos concedidos a terceiros,
- adequar a sua estrutura de custos à sua estrutura de proveitos (excluindo os proveitos obtidos com transferências).

Zé Luís disse...

Obrigado por mais este esclarecimento, sempre bom para u leigo na matéria, mas continua a haver coisa que não entendo.

- o FC Porto tem dívidas por cobrar?
- e não tem capacidade para as cobrar porquê?

É que fica a impressão de andar por aí muito dinheiro perdido, além da certeza de se viver acima das possibilidades, mas é o custo de querer ganhar.

Nuno Nunes disse...

Zé Luis disse:
"Obrigado por mais este esclarecimento, sempre bom para u leigo na matéria, mas continua a haver coisa que não entendo.

- o FC Porto tem dívidas por cobrar?
- e não tem capacidade para as cobrar porquê?

É que fica a impressão de andar por aí muito dinheiro perdido, além da certeza de se viver acima das possibilidades, mas é o custo de querer ganhar."


- É evidente que o FC Porto tem dívidas por cobrar, como qualquer outra sociedade. Quando se fala na venda do Bosingwa ou do Pepe não podemos pensar que vamos receber do Chelsea 20 milhões ou 30 do Real Madrid a pronto. Uma vez que se tratam de verbas consideráveis acordam-se várias tranches ao longo de vários meses para a liquidação total da dívida. Aquilo que transparece da análise ao Balanço Funcional é que a SAD paga mais rapidamente as aquisições de jogadores do que recebe das vendas de jogadores. É aconselhável fazer o "matching" de prazos para não sobrecarregar a Tesouraria.
- Não faço a mínima ideia porque razão não apresenta capacidade para cobrar atempadamente os seus créditos. Nem sei se isso é voluntário ou não.

Não anda por aí "muito dinheiro perdido". São investimentos que são feitos e dos quais a sociedade espera o devido retorno. Se é uma estratégia de alto risco isso já é outro assunto. Para já tem tido os seus resultados. Espera-se que haja capacidade para a adaptação a uma crise global onde o acesso à dívida já é muito mais caro (a baixa nas taxas de juro tem sido compensada por aumentos loucos nos spreads) e onde não haverá margem para erros na estratégias seguidas.
Recordo que em Dezembro de 2009 termina o empréstimo obrigacionista que é preciso reembolsar. Se a SAD fizer o roll-over da dívida terá certamente condições menos favoráveis do que há 3 anos atrás.

Anónimo disse...

O orçamento da FCP-SAD aumentou exorbitantemente depois de 2004. Com os bolsos cheios de dinheiro fresco apostou-se num salto qualitativo através da compra de jogadores muito bons e caros (ex: Diego e Luís Fabiano). Infelizmente, a época de 2004/05 foi o fiasco que se sabe, na qual os infalíveis magos que governam a SAD pareciam ter atingido o nível de incompetência (1) descrito pelo Doutor Lawrence J. Peter no seu famoso livro "O Princípio de Peter" (New York: William Morrow and Company, 1969).

Desde aí, e mesmo com a reentrada na atmosfera que representou o regresso do FCP à sua normal bitola europeia, o orçamento manteve-se alto e, como escasseavam os meios para o financiar, passou a recorrer-se fortemente ao crédito bancário, ao mesmo tempo que as vendas de jogadores já não bastavam ser da ordem da dezena de milhão de euros para terem de ser superiores ao dobro para ser possível manter esta vida de lorde.

Concomitantemente, não tem havido qualquer esforço de racionalizar o número de jogadores sob contrato, o qual constitui uma verdadeira aberração. Entretanto, esse fenómeno do empréstimo de jogadores ganhou vida própria e parece ter já existência para lá da sua presumível função, a de fazer rodar jogadores jovens com vista à sua futura integração no plantel. De facto, jogadores há que passam anos e anos emprestados, alguns deles, inclusivamente, estrangeiros e nada jovens. Tal como a SAD declara (independentemente das formalidades contabilísticas) que a venda de jogadores faz parte da sua actividade normal(!!) não tardará o dia em que dirá o mesmo dos empréstimos de jogadores. Nesse dia sugiro que alterem a razão social para "FCP, Compra, Venda & Empréstimo de Jogadores, S.A.".

O basbaque médio está, contudo, plenamente a marimbar-se para estes tristes factos. Apenas lhe interessa se a equipa vai ou não ganhando. E ninguém se atreve a dizer "O Rei Vai Nu".

O tombo, lamento dizê-lo, vai ser grande. Prouvera me engane.

(1"In a hierarchy every employee tends to rise to his level of incompetence ... in time every post tends to be occupied by an employee who is incompetent to carry out its duties ... Work is accomplished by those employees who have not yet reached their level of incompetence."