segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Da Dimensão Ética do Assobio

Vou ao futebol desde meados dos anos 60 e já perdi a conta ao número de jogos a que assisti, tanto em Portugal como até em Inglaterra. Além de outros aspectos, há um que distingue claramente os adeptos nos dois países: a mania do assobio ou do apupo.

Não que em Inglaterra se não apupe a nossa equipa, mas isso é, regra geral, deixado para depois do derradeiro siflo do senhor árbitro. Então sim. Se houve uma exibição vergonhosa ou, pior, se esta vem na sequência de outras desgraçadas demonstrações quejandas, eis que surge das bancadas, não um côro de assobios - que os ingleses não sabem assobiar - mas sim um soturno eco de "uuuuuu", audível várias centenas de metros à volta do estádio.

Em Portugal a coisa é diferente. Somos todos treinadores de bancada e - pior - temos uns elevadíssimos padrões de exigência (para com os outros, claro). Vai daí, chega-se de hoje em dia ao cúmulo e ao absurdo de se assobiar um jogador que erra um passe aos 5 minutos de jogo ou, coisa inacreditável, só por ouvir o seu nome na linha inicial.

Mas recentemente esta praga dos assobios por tudo e por nada (atribuídos por alguns a uns tais "pipoqueiros", suposta nova espécie de adepto do futebol) deu origem a um caricato episódio em torno do nosso craque Ricardo Quaresma. Devido a uns seus "exageros" ou "displicências", os pipoqueiros (mas não só) tê-lo-ão assobiado de modo que apenas deveria ser reservado para o Sr. Lucílio Baptista e seus émulos. O visado reagiu dizendo que se calhar daqui a uns meses já cá o não teriam para assobiar, declaração que posteriormente esclareceu referindo que iria naturalmente de férias (o que pressupõe que haverá pipoqueiros que se deslocam ao Estádio do Dragão no defeso para assobiarem quem está de férias: estes pipoqueiros são capazes de tudo, de facto). Saíu depois à praça o Dr. Fernando Póvoas, salomonicamente criticando assobiadores e assobiado, e a coisa parecia ter ficado sanada. Mas eis senão quando, a SAD do FCP emite um comunicado em que o desamparado Dr. Póvoas é, por assim dizer, "posto no seu lugar", que isto de criticar pipoqueiros não é para qualquer um na severa estrutura da dita SAD. E mais, até o próprio presidente ao assunto se referiu, aparentemente num editorial na revista "Dragões", chegando a apelidar esses assobios de encomendas. Num conhecido forum de portistas que por vezes leio anda uma discussão semântica em torno dessa referência pouco subtil do habitualmente muito subtil Jorge Nuno Pinto da Costa, havendo até quem por lá defenda a dimensão ética da crítica emanada da presidencial pena.

O que me leva a concluir que, para alguns, o irritante e cavernoso fulano sentado ao nosso lado nas bancadas do Dragão que passa o jogo a criticar tudo o que equipa de azul-branco e que assobia sempre que as coisas nos não saem bem, muito mais do que um portista doente que não enxergou ainda a melhor maneira de apoiar a sua equipa, é uma execrável criatura eticamente deficiente.

Os adeptos passam assim a distinguir-se pelo nível "ético" do seu procedimento e não, no que a manifestações como os assobios diz respeito, pela sua maior ou menor emotividade ou melhor ou pior feitio. Um portista "como deve ser" não assobia os próprios jogadores, não pelo que de desagradável e contra-producente isso encerra, mas pela fealdade moral do acto. Meditemos...

2 comentários:

Mário Faria disse...

Sou a favor de uma vaga de fundo contra o assobio. A favor da equipa, por respeito com os jogadores e pelo dever de apoiar.
Obviamente que os sócios também têm direitos. Manifestar repúdio ou desagrado pelo comportamento dos diferentes intervenientes no jogo, é um deles.
Só que esse direito intromete-se com o dever de apoiar e respeitar os jogadores. Por isso, deve ser usado com toda a parcimónia, nomeadamente quando dirigidos aos nossos.
Essa tendência "quase compulsiva" de alguns, deve ser combatida de forma serena, procedendo os que se insurgem contra a assobiadela, exactamente ao contrário. Ou seja : tentar mudar essa tendência pela reacção contrária : “mandando calar”, aplaudindo a equipa e os jogadores visados . Não se mudam hábitos "milenares", argumentando com a falta de ética, de sentido de justiça e de valores morais.
Aliás, creio que essa argumentação é uma deriva de uma insuportável arrogância, pois esses valores são demasiado elevados para se suportarem na mera reprovação do assobio no futebol.
Acresce que toda esta controvérsia veio menos a propósito da defesa do Quaresma (era assunto fechado) e mais (aparentemente) para acusar os que estavam a cumprir "encomendas". Da parte de quem ? Como não acredito que fosse de um qualquer inimigo externo, acho que se trata de um recado do nosso Presidente para dentro do clube, com destinatário(s) certo(s).
Espero estar enganado. Se, assim for, as minhas desculpas.

Nicolau d'Almeida disse...

Sem dúvida, um adepto NUNCA deve assobiar um atleta que traga vestida a camisola do clube do seu coração.

Relativamente à comparação entre Portugal e Inglaterra, são realidades e mentalidades completamente diferentes. Arriscaria a dizer que são incomparáveis.

Cumprimentos.

www.guardiaodainvicta.blogspot.com