quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

As “garantias” aceites por Ferreira Leite

Manuela Ferreira Leite e as acções da Benfica SAD

Em finais de 2001, o SLB necessitava de uma certidão da administração fiscal atestando a sua situação de não devedor, de modo a poder assinar um contrato com o Estado, para beneficiar dos apoios estatais às obras de construção do seu novo estádio.

Contudo, a certidão só poderia ser passada se a impugnação da liquidação estivesse conforme a Lei e, para tal, o SLB tinha de entregar garantias.

O que diz a Lei?
Na impugnação, “caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”.

O que fez o SLB?
Entregou acções da Benfica SAD, não cotadas em bolsa, num total de 20 por cento do capital da SAD benfiquista.

Sabendo-se que as acções são de valor mais do que discutível (ainda por cima quando não estão cotadas em Bolsa, como era o caso) e que a própria lei das sociedades desportivas não permite ao Estado poder deter acções de sociedades desportivas (que seria o que aconteceria em caso de execução da garantia), o que fez a administração fiscal?

Numa primeira reacção, passou uma certidão em que, obviamente, se referia que o SLB não estava regular do ponto de vista fiscal.

Contudo, isso não impediu o SLB de assinar um contrato com o Estado, de modo a beneficiar de subsídios para a construção do novo estádio da Luz.
Apesar da Lei, o contrato para construção do estádio da Luz foi assinado, em Janeiro de 2002, pelo então ministro do Desporto e Juventude do Governo PS, o socialista José Lello.

Já com um novo Governo, cujo primeiro ministro era Durão Barroso, a ministra de Estado e das Finanças, Manuela Ferreira Leite, deu o seu aval para que as acções da Benfica SAD fossem aceites como garantia para impugnação da dívida fiscal do Sport Lisboa e Benfica.
A ministra das Finanças assinou um despacho em que corroborou o parecer da administração tributária sobre a avaliação das acções da Benfica SAD. Dessa forma, interpretou a Lei no sentido favorável ao SLB, ao aceitar esses títulos como uma garantia idónea para a impugnação da dívida fiscal por parte do SLB.

Manuela Ferreira Leite e Vasco Valdez na Assembleia da República

Um dos aspectos que convém salientar, é o facto do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo PSD-CDS, Vasco Valdez, que defendeu a “interpretação de lei” de acordo com o pretendido pelo SLB, ser a mesma pessoa que, como advogado representante do clube da Luz, tinha negociado com o anterior Governo do PS.

Como é que a administração fiscal descobriu um critério de avaliação das acções da Benfica SAD, as quais nem sequer estavam cotadas em bolsa?

Com base nas regras do imposto sucessório, avaliou os títulos não ao seu valor nominal de cinco euros, mas de 3,3 euros por acção.

O despacho da ministra Manuela Ferreira Leite colocou um ponto final no pedido do SLB, aceitando as acções da Benfica SAD como boas e, com elas, toda a situação fiscal do clube regularizada.

Sobre este assunto, o deputado do PCP Lino de Carvalho, escreveu o seguinte em 13/06/2002:
«(...) neste caso há fumo demasiado para não se desconfiar que por detrás haja muito fogo (...) ninguém esqueceu as célebres declarações do Presidente do Benfica ao apelar na campanha eleitoral, institucionalmente, ao voto no PSD com o argumento de que se este vencesse as eleições o Benfica veria resolvidos os seus problemas fiscais. (...) é também conhecido que o advogado do Benfica no processo que começou a ser negociado com o anterior Governo é o actual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Vasco Valdez. Demasiada coincidência!?
(...) não há nenhum caso idêntico ao nível dos contenciosos fiscais que se têm desenrolado entre os clubes e a Administração Fiscal. (...)
Porque é que podendo e devendo o Estado exigir do contribuinte em falta, e ainda por cima com um longo processo de dívidas e compromissos não honrados perante o fisco, garantias mais idóneas – garantia bancária; caução ou, por exemplo, receitas dos jogos ou passes dos jogadores – aceita desde logo um património que menos sólido se apresenta, as acções. E assim sendo qual o critério da avaliação?
Não estando cotadas na bolsa, tendo a SAD Benfica um largo passivo, como se chegou aos 3,3 euros por acção?
E se no final do processo não for dada razão ao Benfica e este não tiver condições para pagar?
Como a Administração Central não pode ser accionista das SAD’s a quem vende, e porque valor, o penhor que recebeu?»

Manuel Vilarinho e Luís Filipe Vieira no “Jantar do Desporto”, em 04/03/2002

A foto anterior foi tirada no denominado “Jantar do Desporto”, realizado em Rio Maior, em 04/03/2002, durante a campanha do PSD para as eleições legislativas de Março de 2002.


(*) Vasco Valdez foi secretário de Estado do Governo liderado por Cavaco Silva, entre 1991 a 1995, e do Governo liderado por Durão Barroso, entre 2002 a 2004.

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