sábado, 30 de agosto de 2008

Um Benfica-Porto há 30 Anos


O mês de Janeiro de 1979 foi particularmente chuvoso. Aliás, todo aquele Outono/Inverno o foi. De tal modo que o Rio Douro nos presenteou com cheias nos meses de Novembro de 1978 e, logo a seguir, Março de 1979. Se o sol quando nasce é para todos, já a chuva é menos pródiga, mas dessa vez os nossos compatriotas do sul do país não se puderam queixar, nem dizerem que o Porto é a terra da chuva e local impróprio para jogos da selecção por causa desse factor climático. Convém não lhes ligar muito. Como alguém um dia bem disse, trata-se da inveja dos povos meridionais que, enquanto nós temos os poços cheios e os campos viçosos, vêm as suas mentes estiolarem e as suas línguas adquirirem o aspecto e o sabor do papel de música por falta do precioso líquido.

Vem isto a propósito do Benfica-Porto de 1978/79, disputado sob chuva inclemente, coisa para que, convém realçar, os relvados dos nossos rivais da capital nunca estiveram devidamente apetrechados. Estávamos no início da segunda volta e a luta pelo título seguia renhida entre os dois clubes – e assim continuaria até final, com o F.C. Porto a vencer com um ponto de avanço.

Entre 15.000 e 20.000 portistas rumaram à Luz. Não havia televisão em directo naqueles tempos. Também não havia claques, nem percursos para o estádio com escolta policial, nem lançamento de petardos. Havia apenas a ocasional e salutar escaramuça, muitas vezes acicatada pelo verde tinto, que pouco antes fizera companhia a uns panados ou a umas bifanas. A inimizade entre portistas e benfiquistas era profunda, claro, mas ainda era possível ir-se a um jogo à capital sem se ter a sensação de se estar a caminho da Bósnia-Herzegovina - ela própria à época anonimamente engolida e adormecida num estado artificial chamado Jugoslávia.


Uma hora antes do jogo, os jogadores do F.C. Porto, ainda à “paisana”, subiram ao relvado na companhia do homem à altura mais detestado em Lisboa: o grande José Maria Pedroto. No antigo Estádio da Luz a entrada dos jogadores fazia-se pelo lado oposto ao 3º anel, e logo daquele alcandorado ninho de milhafres ecoou uma assobiadela tremenda, enquanto que os adeptos portistas faziam ouvir os seus aplausos e desatavam a cantar uma versão especialmente produzida para o efeito da famosa canção “Cheira bem, cheira a Lisboa”, em que a palavra “bem” era substituída pelo seu antónimo.

O Zé do Boné não era de modas, claro, e ao ouvir o coro dos milhafres chamou o capitão Rodolfo e com ele encetou uma marcha a passo lento mas determinado, atravessando o campo precisamente na direcção do 3º anel, finda a qual se postou em frente àquela bancada, olhando para cima em ar de desafio. Os assobios redobraram mas o Zé manteve-se a pé firme.

E iniciou-se o jogo, debaixo da mesma impiedosa chuva que, afinal de contas, até nos fazia sentir em casa. A primeira parte foi equilibrada e o relvado ainda estava mais ou menos operacional. Por volta dos 20’ o nosso defesa Freitas jogou a bola com o braço na área, e do penalty daí resultante João Alves, “o luvas pretas”, inaugurou o marcador. Sobre nós, portistas caiu algum desalento, enquanto que a equipa tentava reagir. E reagiu mesmo na segunda parte. Foi o que se chama “cair em cima deles”. Com o deteriorar das condições do relvado os jogadores do F.C. Porto adaptaram-se melhor: frequentemente levantavam a bola, mesmo quando apenas a tentavam passar a um colega. Como diria no fim o Zé do Boné, tínhamos “uma equipa anfíbia”. E a uns 20 minutos do fim o extremo Costa esgueirou-se pela esquerda, cruzou atrasado e o ponta-de-lança brasileiro Duda, vindo de trás, com oportunidade marcou o golo do empate. A partir daí, tanto no campo como nas bancadas, só dava azul-branco. E quando o F.C. Porto, continuando a demonstrar clara superioridade, parecia poder vir a vencer o jogo, deu-se o lance determinante do mesmo: aparentando estar de cabeça perdida, Toni, o conhecido médio benfiquista várias vezes treinador do clube em anos posteriores, teve uma entrada violentíssima sobre o brasileiro Marco Aurélio, um dos melhores jogadores em campo e o típico caso em que, de um jogador normal, o Zé do Boné fazia um excelente jogador. Resultado: factura tripla exposta da perna. Marco Aurélio nunca mais seria o mesmo jogador. Pouco depois Toni seria substituído e sairia do campo sob um coro de invectivas dos adeptos portistas, que entoavam: “Assassino! Assassino!” (aqui, literalmente, um parêntesis, para referir que A Bola do dia seguinte dava mais ênfase ao “arrependimento” de Toni que ao infortúnio de Marco Aurélio.).

Reduzido a dez jogadores o F.C. Porto até final da partida procurou apenas o controlo da mesma e o desafio terminaria com 1-1. Saímos de Lisboa com um sabor amargo na boca. Sentíamos que poderíamos ter vencido e pensávamos no Marco Aurélio. De qualquer modo, estava aberta a porta do segundo título consecutivo (o FC Porto vencera nas Antas por 2-1). A síndrome-FCP começava a criar raízes para as bandas da Luz. A chuva, essa, continuava a cair sem parar, mas os pobres alfacinhas, no seu desalento, nem conseguiam agradecer aos elementos aquela dádiva revigorante.

5 comentários:

José Correia disse...

Pedroto foi um Homem (com H grande, como diria alguém posteriormente), que nunca teve medo de enfrentar e afrontar os poderes da capital, que dominavam (e dominam) um país que sempre foi profundamente centralista.

Pedroto, um homem de Lamego, um homem do Norte, que adoptou o Porto e o FC Porto como as suas grandes paixões.

Que saudades do Pedroto!

José Correia disse...

Ao contrário do Alexandre, não estive presente no estádio da Luz para assistir a esse jogo, mas lembro-me perfeitamente da entrada brutal do Toni sobre o Marco Aurélio.

Foi, verdadeiramente, uma entrada assassina, que não só arrumou o jogador do FC Porto daquele jogo, como acabou com a carreira dele.

Evidentemente, como o Alexandre lembra e muito bem, foi feita uma lavagem completa da entrada maldosa e arrepiante feita pelo jogador do SLB que, se bem me lembro, até era o capitão dos encarnados.

The Turk disse...

"A Bola do dia seguinte dava mais ênfase ao “arrependimento” de Toni que ao infortúnio de Marco Aurélio."

E dizem que a tradição já não é o que era.

Helder Russo disse...

Em www.memoriaazul.blogspot.com recorda-se este jogo com inumeras fotos,assim como outros feitos. Inclui uma entrevista com Pedroto e relatos de Amaro.

Anónimo disse...

partiram a perna ao marco Aurélio na luz . ao Eurico nas antas . o maxilar ao guarda redes do porto na luz . fratura de nariz ao Paulinho santos na luz . a perna ao andersson no dragão . do outro lado apenas o Paulinho santos partiu o maxilar ao João pinto . isto é que devem dizer porque a imprensa esquece se de alguns casos