segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O caso Calabote (III)

I. A trajectória da bola e as decisões da FPF

II. A pouco inocente nomeação de Calabote

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III. Os estágios das selecções em... Lisboa

Nas décadas de 50 e 60, havia três selecções de futebol sénior: a selecção principal, a selecção B e a selecção militar.

Selecção B, década de 50 (foto: ‘Glórias do Passado’)


Ora, conforme referido atrás, já em 1956/57 o treinador do FC Porto – Flávio Costa – tinha ficado indignado por, em momentos cruciais da época, jogadores do FC Porto serem convocados para trabalhos das selecções em... Lisboa.

Pois desta vez não podia ter havido melhor altura para agendar um estágio em Lisboa da Selecção Militar: precisamente na semana que antecedeu a última e decisiva jornada do campeonato 1958/59!

Este facto verdadeiramente inacreditável, levou Monteiro da Costa, capitão do FC Porto, ao seguinte desabafo:
Calcule que nesta semana não pudemos realizar um treino de conjunto com todos os nossos jogadores. Faltaram-nos o Hernâni, o Arcanjo e o Barbosa, os três em Lisboa por causa da selecção militar. Eu compreendo os interesses da selecção, mas numa altura destas de campeonato, com um jogo decisivo para a atribuição do título, é, evidentemente, uma dificuldade que nos foi criada”.

Miguel Arcanjo, Mendes (SLB) e Hernâni entrevistados na RTP, 1958 (foto: ‘Glórias do Passado’)


De facto, a utilização do serviço militar e dos trabalhos das selecções era outro dos aspectos onde o Sistema mostrava toda a sua eficácia.

Hernâni Ferreira da Silva, o “furacão de Águeda” , é um caso exemplar de como algumas destas coisas funcionavam.
Vindo do Recreio de Águeda, ingressou no FC Porto em 1951 onde jogou até 1964. Contudo, em 1952 teve de representar outro clube – o Estoril – por se encontrar a cumprir o serviço militar em... Lisboa.
Hernâni foi 28 vezes internacional A e pela Selecção Militar jogou sete vezes, tendo sido o capitão na fase final do Torneio Internacional inter-selecções Militares de Países Europeus, realizada em Portugal, em 1958, e em cuja final disputada no Estádio de Alvalade Portugal venceu a França por 2-1.

Repare-se no seguinte pormenor: o Hernâni, que era só o melhor jogador do FC Porto (e considerado por muitos um dos melhores jogadores portugueses de sempre), cumpriu o serviço militar em 1952 e sete anos depois, aos 28 anos, ainda era convocado para os trabalhos da Selecção Militar realizados, claro está, em Lisboa.

Selecção Militar, 1958 (foto: ‘Glórias do Passado’)


Tentei encontrar um caso semelhante no Benfica ou no Sporting, isto é, um caso em que um dos melhores jogadores desses clubes, sete anos após concluir o respectivo serviço militar, continuasse a ser convocado para trabalhos da Selecção Militar a... 320 km de distância.
Não descobri, deve ter sido lapso da minha pesquisa...

(continua: ‘Treinador-adjunto do SLB no banco do Torreense’)

Fontes:
[1] ‘Glórias do Passado’, Outubro de 2008
[2] ‘CSI – Calabote Scene Investigation’, Pobo do Norte, Maio de 2008


Fotos: ‘Glórias do Passado’

5 comentários:

Zé Luís disse...

Caríssimo José Correia,

acompanho-te apaixonadamente nesta cruzada que levanta o que eram os favores do regime aos clubes da capital e hoje são referenciados para horror dos representes opinionistas desses clubes.

Retenho:

"Tentei encontrar um caso semelhante no Benfica ou no Sporting, isto é, um caso em que um dos melhores jogadores desses clubes, sete anos após concluir o respectivo serviço militar, continuasse a ser convocado para trabalhos da Selecção Militar a... 320 km de distância.
Não descobri, deve ter sido lapso da minha pesquisa..."

Pois, agora nos anos 60, com a Guerra no Ultramar, quantos jogadores portistas por lá passaram?

Quantos jogadores da equipa de sonho da Luz, já nem digo os mestiços ou oriundos das Províncias Ultramarinas, mas os brancos como Torres, Simões e outros não foram lá parar.

Poque é que o Lemos, depois de ter marcado dois golos na Luz e mais 4 nas Antas ao Benfica, logo a seguir foi parar a Angola?

Esta é a outra história do futebol português como mecanismo de promoção do Estado - típica, aliás, no Bloco Socialista da Europa de Leste, com os seus Dínamos em Berlim, Kiev, Moscovo, Bucareste, e com outros nomes na Bulgária, Polónia, Hungria.

Fernando disse...

A ter em atenção:
A arbitragem do braga deixou-nos pendurados...
Lisandro já tinha 4, agora temos dois outros fundamentais à bica: Hulk e Fucile...
Já perceberam que podemos perder 3 jogadores para o embate com os lampiões?

Mário Faria disse...

Era miúdo mas a ideia que tenho é que no SCP é que moravam os grandes trutas do regime Salazarista. O SLB era um clube mais popular e os seus presidentes sempre mantiveram uma certa distância relativamente ao Governo de então.
Só que o êxito do SLB na Europa veio que nem canja para a propaganda do Estado. Serviu para provar que éramos um Estado multiétnico e que as colónias eram províncias de um só pais e de um só Estado. SLB, Eusébio e o terceiro lugar no mundial foram aproveitados ao máximo pela Ditadura. Obviamente que o SLB tirou dividendos dessa conjuntura, consolidada por uma comunicação social que de uma forma ou outra (e pelas melhores e piores razões) cantava loas ao SLB como se fora a jóia da coroa.
Portugal era Lisboa, o resto a parolândia. Os árbitros deixavam-se intimidar pela força do SLB, e se o FCP ainda pode cheirar alguns êxitos, muito foi retirado por mérito próprio (tivemos equipas fantásticas) e pela grande rivalidade entre SCP e SLB, que de uma forma indirecta nos beneficiava.
Mas, passado é passado. O que me incomoda é que em pleno estado democrático o SLB continue a ser o clube do regime, de forma mais assanhada que anteriormente. Se houvesse dúvidas, bastava ver o tempo que as TV’s e a Comunicação Social dedicam ao SLB relativamente a todos os outros, a aceitação das acções do SLB (não cotadas na bolsa) para avalizar a dívida contraída pelo clube junto da Segurança Social, a imunidade de que gozou Vale e Azevedo enquanto foi presidente do SLB, o Estorilgate, as inúmeras figuras dos diferentes governos que são figurões do SLB, a quantidade de jornalistas que na CS fazem a mais despudorada propaganda sob a capa de informação, a influência que parece gozar junto dos órgãos do poder, incluindo a segurança e a justiça.
Tenho a certeza que jamais os dirigentes do SLB poderiam alguma vez ficar sob suspeição e sujeitos a escutas telefónicas, como não ficou o Orelhas depois do que foi detectado em conversas sob escuta a terceiros.
O SLB é um clube com tendências hegemónicas que obviamente constituem um sério perigo quando são suportadas pela benevolência do Estado e da Comunicação Social. E esse combate cultural deve ser feito, de forma abrangente e sistemática, e não deve ficar pela abordagem apenas da arbitragem. Essa é a ponta do iceberg.

José Correia disse...

Mário Faria disse...
«Era miúdo mas a ideia que tenho é que no SCP é que moravam os grandes trutas do regime Salazarista. O SLB era um clube mais popular e os seus presidentes sempre mantiveram uma certa distância relativamente ao Governo de então.
Só que o êxito do SLB na Europa veio que nem canja para a propaganda do Estado. Serviu para provar que éramos um Estado multiétnico e que as colónias eram províncias de um só pais e de um só Estado. SLB, Eusébio e o terceiro lugar no mundial foram aproveitados ao máximo pela Ditadura. Obviamente que o SLB tirou dividendos dessa conjuntura, consolidada por uma comunicação social que de uma forma ou outra (e pelas melhores e piores razões) cantava loas ao SLB como se fora a jóia da coroa.
Portugal era Lisboa, o resto a parolândia.
»

Quando acabar o dossier Calabote, talvez pegue noutro tema: O país dos três F's.

Mas o Mário tem razão numa coisa: não está esquecido o papel que os Gois Motas, os Casais Ribeiros e outros que tais tiveram no quinhão sportinguista do Sistema.

Luís Carvalho disse...

Zé,

Repara que o que o Mário Faria afirma é que é em plena democracia que o slb é apoiado de "forma mais assanhada que anteriormente".

Atenção a este interessante facto.