terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O impacto da crise no futebol português (I)

Os efeitos da crise mundial no futebol já se começam a sentir. Exemplos não faltam, incluindo no milionário futebol inglês (o mais rico a nível mundial). A AIG, principal patrocinadora do Manchester United, esteve à beira da falência, sendo salva pelo governo dos EUA; o Chelsea, tudo o indica, está à venda (basta que apareça alguém com dinheiro fresco para comprar o “brinquedo” de Roman Arkadyevich Abramovich).

Em Portugal, apesar de 90% das discussões serem à volta da arbitragem, têm-se também multiplicado os sinais de alerta (para quem esteve atento). O BES já anunciou que no final desta época vai deixar de patrocinar as camisolas dos três grandes e as declarações de responsáveis das SAD’s do FC Porto, Sporting e Benfica têm todas um denominador comum: a crise financeira mundial vai-se fazer sentir no futebol português, principalmente nas receitas das transferências de jogadores, publicidade e de bilheteira, que irão diminuir.

Há cerca de três meses, o Nuno Nunes abordou este assunto no ‘Reflexão Portista’. Primeiro, no artigo ‘Futebol e a crise financeira mundial (I)’, onde referiu que “as dificuldades poderão ter diversas origens e previsivelmente irão fazer-se sentir tanto no lado da receita – uma retracção no consumo poderá afectar negativamente a receita de bilheteira e de merchandising e a médio e longo prazo a receita proveniente da sponsorização se as assistências tiverem uma forte diminuição e, principalmente, uma redução dos valores envolvidos no mercado de transferências, a maior fonte de receita do FC Porto – como do lado da despesa – uma aumento das taxas de juro fará com que os encargos com a dívida aumentem e que o acesso ao crédito bancário seja mais restrito”.

Em 04/11/2008, com a publicação da 2ª parte – ‘Futebol e a crise financeira mundial (II)’ – analisando o caso concreto do FC Porto, o Nuno Nunes refere que “no ano passado, o Balanço da SAD evidenciava um total de dívida bancária de 59,3 milhões de euros, sendo 62% de médio e longo prazo e 38% de curto prazo. Este ano o Balanço apresenta um montante de dívida bancária de 79,6 milhões de euros (mais 20 milhões do que no ano passado!) sendo 44% da sua composição dívida de médio e longo prazo e 56% de curto prazo. Ou seja, em apenas um ano, a SAD aumentou o seu endividamento em 34% sendo que a maior fatia desse endividamento é exigível num prazo inferior a um ano”.

Embora saibamos que este assunto não merece muita atenção por parte dos adeptos (basta ver a quantidade residual de comentários que são feitos a este tipo de artigos), e o seu interesse diminua ainda mais numa semana em que regressamos à liderança do campeonato, entendo ser fundamental os portistas estarem cientes do impacto que esta situação poderá ter no modelo de gestão que tem vindo a ser seguido pela sociedade desportiva do FC Porto na última década.
Nesse sentido, irei recordar em três artigos análises e declarações feitas nos últimos dois meses por consultores, economistas e responsáveis das SAD’s dos três principais clubes portugueses.

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O consultor da Deloitte Ricardo Gonçalves previu que no curto e médio prazo haverá clubes e sociedades desportivas que vão cessar a actividade profissional de futebol, na Europa como em Portugal.

"A indústria de futebol é uma actividade económica como as outras e não está imune à crise", disse à agência Lusa aquele analista da Deloitte, especializado na área do desporto.

Ricardo Gonçalves assinalou que o crédito mais escasso e mais caro, uma previsível redução dos proveitos de patrocínios e publicidade, menor rendimento da venda de jogadores para o estrangeiro e quebra de receitas de bilheteira e merchandising (vendas de camisolas e outros artigos), vai implicar "um aperto de cinto" dos clubes portugueses.

Salientou que com a baixa da taxa Euribor serão aliviados os custos dos clubes com empréstimos passados mas, num contexto de problemas de liquidez, a obtenção de novos empréstimos será dificultada: "Vai haver menos dinheiro para emprestar aos clubes", e o custo do crédito vai agravar-se, com spreads muito maiores.

Aquele consultor da Deloitte sublinhou que a indústria de futebol, não só em Portugal como na Europa, está bastante endividada e apresenta um risco superior à média, "tem um balanço muito débil e vai ter problemas nesta conjuntura" de contracção económica.

Ricardo Gonçalves salientou que os custos com pessoal (salários mais amortizações de transferências) se situam em média em Portugal em 69 por cento das receitas correntes, acima dos 60 por cento recomendados pela UEFA, o que significa que é preciso um "pequeno ajustamento" no sector.

Mas o consultor da Deloitte acredita que, após uma fase de redução de preços de transferências e contenção de salários nas renegociações de contratos no curto/médio prazo, devido à crise económica, estas variáveis vão voltar ao normal e crescer no longo prazo.
Ricardo Gonçalves acredita que a longo prazo a receita gerada pela indústria do futebol vai voltar a crescer, porque o rendimento disponível das famílias aumentará e haverá mais tempo de lazer, o que significa que os valores de transferências e os salários vão voltar a subir.

Adiantou que existe uma correlação directa entre o crescimento do PIB de cada economia e o crescimento das respectivas indústrias desportivas, em que o futebol ocupa lugar de relevo no caso europeu.

Ricardo Gonçalves salientou a tendência de globalização da indústria do futebol, com entrada em novos mercados, destacando que a opção pela realização de campeonatos mundiais em países como o Japão e Coreia do Sul ou na África do Sul se insere nessa lógica.


"Há grandes clubes europeus que estão a fazer as suas pré-épocas na China, numa lógica de globalização de marcas", observou.

O especialista da Deloitte considera que a indústria mundial de futebol tem futuro e Portugal tem vantagens competitivas neste sector, porque é um mercado com grande apetência para a prática de futebol, que atrai muitos jovens, e para o seu consumo, além de ter um clima que permite jogar todo o ano e bons estádios espalhados por todo o país.

Além disso, nos últimos sete anos houve dois jogadores de futebol portugueses considerados como os melhores do mundo (Figo e Cristiano Ronaldo), o que contribui para que os futebolistas nacionais sejam mais valorizados nos mercados internacionais.

Ricardo Gonçalves defende que os clubes portugueses devem continuar a racionalização nos salários e custos de compra dos jogadores, que já começou há uns quatro anos, e transformar os modelos salariais, com maior componente de remuneração variável em função dos resultados, para se ajustarem a receitas também variáveis.

(continua, A opinião de responsáveis das SAD do Sporting e Benfica)

Fonte: Agência Lusa, 10/12/2008
Nota: A selecção das fotos e os destaques no texto a negrito são da minha responsabilidade.

6 comentários:

Mestre Alves disse...

Por isso fico surpreendido quando vejo anunciado como uma grande vitória as noticias da renegociação do passivo do Sporting.

É insustentável ter um clube "empresa com 238 milhões de passivo na banca e 7 milhões de pagamentos a fornecedores em atraso, e achar que reduzir para 141 milhões (hipoteticamente) vendendo os aneis é uma jogada de enorme relevo no mundo da gestão profissional, a mesma que os levou até aí, com os mesmos actores.

Eu adoro futebol mas não penso contribuir com um cêntimo do meu salário normal para encher o bolso a lordes que treinam duas vezes por dia 1 hora e meia.

Mário Faria disse...

O Real Madrid, o Manchester City, a Juventus continuam a comprar e quando há procura os preços esticam. Mas, há mais.
"Um novo contrato com a banca e com a MDC, empresa que comprou os antigos terrenos do estádio, vão permitir ao SCP reduzir o passivo em 104 milhões de Euros e libertar o orçamento para o futebol, tornando-o mais competitivo".
Parece que para alguns lados a crise não se sente e o investimento continua.

HULK ONZE MILHAS disse...

Pois é meu caro José Correia: os adeptos só se preocupam com os resultados desportivos e esquecem-se que um clube pode acabar por maior que ele seja! Em Portugal já temos alguns exemplos e creio que muito em breve vamos ter mais meia dúzia de clubes de média grandeza a fechar as portas.
Mas isto é como nos "acidentes": só acontece aos outros!
Esperemos que o nosso FCP possa inverter a tendência em termos de resultados financeiros, ainda a tempo de evitar desgostos aos adeptos...

Jorge Aragão disse...

Preocupa-me esta situação pois apesar das chorudas vendas também se gastou imenso dinheiro em jogadores duvidosos e não se deve - creio - ter abatido o passivo.
Isto a juntar a uma fraca política de merchandising com produtos de fraca qualidade e pouco atractivos e principalmente uma infinidade de jogadores emprestados com salários suportados pela Sad pode revelar-se um bico de obra com os valores das vendas a baixarem...Há que repensar isto com urgência...
Espero que exista um bom plano pois a hora vai ser de apertar o cinto e não entrar em loucuras. Vamos a tempo???

José Correia disse...

O dono do clube inglês Manchester City, o xeque Mansour bin Zayed al Nahyan, superou Roman Abramovich como o homem mais rico do futebol britânico, revelou a revista "FourFourTwo".

O dono do Chelsea caiu para o terceiro lugar do "raking" após ter perdido três mil milhões de libras com a actual crise financeira. Abramovich tem, actualmente, uma fortuna avaliada em sete mil milhões de libras, menos de metade da fortuna de al Nahyan, 15 mil milhões de libras.

Em segundo lugar surge Lakshmi Mittal, presidente executivo da ArcelorMittal que investiu no Queens Park Rangers, com uma fortuna de 12,5 mil milhões de libras.

in Jornal de Negócios, 07/01/2009

José Correia disse...

«Tudo o que está a acontecer neste momento nas economias inglesa e espanhola [países que têm absorvido as maiores transferências de jogadores de Portugal nos últimos anos] terá, inevitavelmente, reflexos no mercado de exportação português. (...)
Há riscos claríssimos de falência dos clubes mais pequenos, nomeadamente aqueles que estão mais expostos financeiramente. Imagino que alguns clubes estejam completamente com a corda na garganta»

Manuel Boto, economista, antigo dirigente do SLB
PÚBLICO, 10/10/2008