quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A crise e o modelo de gestão portista (III)

O impacto da crise no futebol português (I)

A crise vista da 2ª circular (II)


O Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril, no seu artigo 45º determinou que as suas normas entravam em vigor no dia 1 de Agosto de 1997. Assim, até ao início da época desportiva seguinte (1997/98) deveriam os clubes optar por um de dois regimes:
- sociedade desportiva;
- clube desportivo sujeito a regime especial de gestão.

Analisando o desempenho das sociedades desportivas de FC Porto, Sporting e Benfica neste período – últimas 11 épocas, de 1997/98 a 2007/08 – é evidente que, quer em termos desportivos, quer em termos financeiros, a gestão portista demonstrou ser a melhor do futebol português. Isto para mim é claro e não há ‘Apito Final’ que o consiga disfarçar.

E se em termos desportivos – a essência e objectivo primordial das SAD’s – a diferença é abissal (7 campeonatos, 1 Taça UEFA, 1 Liga dos Campeões, 1 Taça Intercontinental, contra apenas 3 campeonatos ganhos por Sporting e Benfica em conjunto), em termos financeiros também parece não haver grandes dúvidas, bastando olhar para os passivos globais dos três clubes grandes.


O modelo de gestão portista, particularmente nas últimas cinco épocas (2004/05 a 2008/09) tem sido, no essencial, baseado nos seguintes princípios orientadores:

i) prospecção de jogadores (privilegiando o mercado sul-americano) feita pela própria SAD ou por empresários;

ii) investimento anual significativo em passes de jogadores (a maioria com idade inferior a 24 anos);

iii) crescimento e rentabilização desportiva dos jogadores durante três ou quatro épocas, com o desempenho na Liga dos Campeões a ser fundamental, visto servir de montra privilegiada para os "tubarões" europeus;

iv) venda de pelo menos dois dos melhores (e mais valorizados) jogadores todos os anos, de modo a gerarem mais-valias que permitam equilibrar as contas e realimentar o modelo.

É um facto que tem havido um elevado desperdício associado a muitos falhanços nas compras e ao número excessivo de jogadores sob contrato (com dezenas a terem de ser emprestados), mas a SAD portista tem tido o inegável mérito de conseguir vender muito bem as suas “pérolas” a alguns dos clubes mais endinheirados da Europa (Chelsea, Barcelona, Dínamo Moscovo, Manchester United, Real Madrid, Inter Milão), o que lhe permitiu fazer encaixes impensáveis, particularmente no pós-Gelsenkirchen.

Contudo, é óbvio que este é um modelo de risco elevado.

Por exemplo, o que acontecerá se, por falta de liquidez dos compradores, a FCP SAD não conseguir vender as suas “pérolas” durante duas épocas seguidas?

Ou, pior ainda (do ponto de vista desportivo), se tiver de vender dois ou três dos seus melhores jogadores, para encaixar o mesmo dinheiro que nos últimos anos recebia por apenas um?

Em 10 de Outubro passado, em declarações ao PÚBLICO, Fernando Gomes afirmou o seguinte:
Esta ausência de liquidez vai tornar muito mais difícil o acesso ao crédito, que terá uma selecção muito mais rigorosa, ainda mais quando os clubes portugueses estão altamente endividados e necessitados de fundos de terceiros, nomeadamente da banca.”

Mais recentemente, em declarações que fez à Agência Lusa, Fernando Gomes reafirmou e reforçou as suas preocupações com o impacto que a crise poderá ter no futebol e, particularmente, no FC Porto.

----------

Fernando Gomes, Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD


O administrador da sociedade desportiva do FC Porto, afirmou à Lusa que a actual situação económica e financeira, tendo em consideração o nível de endividamento dos cubes, vai "ter reflexos nos clubes e SAD, que vão ter maiores dificuldades de acesso ao crédito devido à falta de liquidez e terão condições de crédito muito mais gravosas", o que terá efeitos na conta de exploração.

Aquele responsável observou que, "tendo em linha de conta que Portugal é um país exportador de jogadores e que essas exportações são necessárias para equilibrar as SAD, com as mais valias geradas", a área das transferências vai ter "reflexos negativos sobre a vida financeira dos clubes" nacionais.
Fernando Gomes realçou que os clubes estrangeiros, nomeadamente do mercado inglês, terão menos liquidez para fazer compras e "os valores das transferências de jogadores deverão baixar, devido à menor capacidade de investimento dos clubes importadores, o que se traduz numa diminuição" de aquisições de jogadores.

O dirigente da SAD do FC Porto recordou que os custos com publicidade são dos primeiros a ser cortados pelas empresas, o que se irá fazer sentir nos patrocínios.

Fernando Gomes afirmou que o FC Porto tem um número significativo de lugares vendidos para todo o ano no início da época desportiva, mas garantiu que a SAD estará atenta para quando se iniciar a venda de lugares anuais para a próxima época tentar manter o seu número, não excluindo uma redução de preços.

"No futuro, se houver maior condicionamento, o FC Porto é, dos três, aquele que terá de ter maior atenção relativamente ao facto de ver diminuída essa parte da sua conta de exploração. Se já é uma preocupação este ano, nos anos subsequentes será uma preocupação acrescida", assinalou Fernando Gomes.

Para o administrador da SAD "é um dado objectivo que o FC Porto necessitará de 25 milhões de euros (anuais) de mais-valias para equilibrar" as suas contas, apesar de a venda de Quaresma para o Inter de Milão já ter aliviado o exercício de 2008/09.
Fernando Gomes considerou preocupante a "estagnação do mercado" por parte dos clubes europeus mais gastadores, que terá "reflexos ao nível dos clubes de países periféricos e exportadores, que necessitam dessas transacções para equilibrarem as suas contas".
"De alguma forma, o FC Porto pode ressentir-se mais (do que o Benfica e o Sporting), pois, tendo em conta o passado recente, tem conseguido equilibrar as suas contas de exploração com a geração de mais-valias" provenientes da transferência de futebolistas para o estrangeiro, observou.

----------

Quando o Dr. Fernando Gomes diz que a FCP SAD precisa de 25 milhões de euros (anuais) de mais-valias para equilibrar as suas contas, é um número que assusta. Contudo, se olharmos atentamente para os relatórios e contas da SAD, a dúvida que fica é se 25 milhões por época será suficiente.

Vale a pena recordar o valor (em milhões de euros) e peso que as mais-valias das transferências de jogadores têm tido nas contas da SAD:

Exercício de 2003/04: 58.290 (equivalente a 97,7% das receitas operacionais)
Exercício de 2004/05: 48.579 (110,2%)
Exercício de 2005/06: 14.205 (32,2%)
Exercício de 2006/07: 33.365 (60,7%)
Exercício de 2007/08: 42.964 (78,2%)

Ou seja, no pós-Gelsenkirchen (últimas cinco épocas), a FCP SAD encaixou, em média, 39.4 milhões de euros por época em mais-valias de transferências.
Deste modo, se 25 milhões anuais de mais-valias fossem suficientes, estes quase 40 milhões de euros anuais (valor médio), deveriam ter permitido que a SAD tivesse acumulado 75 milhões de euros (15 milhões por época) de resultados líquidos positivos nos últimos cinco anos. Ora, não foi isso que aconteceu.

Balanços da FCP SAD do período 2001-2008 (clique na imagem para ampliar)

Nota: Conforme se pode constatar no quadro anterior, em Junho de 2008 os capitais próprios da SAD estavam ao mesmo nível de Junho de 2003.

Mais. O orçamento para 2008/09 prevê 35.213 milhões de euros de mais-valias (76,2% das Receitas Operacionais), 10 milhões de euros acima dos 25 referidos como necessários pelo Dr. Fernando Gomes. Em que ficamos?

A venda de Quaresma, concretizada em 1 de Setembro de 2008, irá gerar uma mais-valia na ordem dos 17 milhões de euros, mas para cumprir o orçamento desta época é necessário que até 30 de Junho de 2009 haja outra(s) transferência(s) que gere(m) 18 milhões de euros em mais-valias.
É neste cenário que a saída de Bruno Alves, de Lucho, ou de ambos, se afigura como altamente provável.

Importa sublinhar o seguinte: O Dr. Fernando Gomes é um homem da confiança do presidente Pinto da Costa, sendo o administrador da FCP SAD com o pelouro financeiro e o representante nas relações com o Mercado. Pelo seu passado no clube e na SAD e por aquilo que conhecemos dele, não me parece que seja o tipo de pessoa que diz coisas gratuitas e sem fundamento.


Estas suas declarações não são bocas de café ou feitas de forma ligeira em fóruns na Internet. São afirmações claras, feitas à Agência Lusa de forma institucional, e demonstram que a preocupação com a gestão económico-financeira da SAD não é infundada e muito menos uma especulação resultante dos "críticos", de "bloguistas ignorantes", ou de mentes maquiavélicas anti-SAD.

(continua, Transferências, publicidade e patrocínios no futebol português)

Nota: A selecção das fotos e os destaques no texto a negrito são da minha responsabilidade.

2 comentários:

Jorge Aragão disse...

Na realidade vejo com apreensão o nosso modelo económico pois na actual conjuntura vai ser muito complicado vender com bons lucros activos importantes e assim desvalorizaremos mais o plantel, pois terão que sair três ou quatro e neste momento não temos muitos jogadores altamente vendáveis a não ser o Bruno, o Lixa, o Lucho mas por valores mais baixos que o ano passado...Espero que a administração pense bem no que fazer, arranjar outro modelo, evitar despesas desnecessárias, fazer regressar quem tem boas possibilidades a nível dos jovens e dar oportunidades, despachar quem não interessa de forma a reduzir a folha salarial, fazer um marketing a sério dos produtos do FCP e ser criativo na forma de angariar receitas.
Estamos num patamar de muitos perigos...
Com efeito, reflexão precisa-se ... e muita...

Rizzo Da Rat disse...

Os chamados anti-sad há muito tempo que estão preocupados com o modelo financeiro dos Sádicos e não foi preciso vir a crise mundial para virmos a terreiro falar de números.


Apenas isso.


Quanto ao resto, mais do mesmo. Ou seja, sempre a vender, vender, vender. Isto é uma grande preocupação...não é que as comissões também vão descer??

Nada disso! Em vez de venderem 1-2, vendem 3-4 e as viagens para o Brasil continuarão asseguradas.......