quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Hillsborough: a Verdade 23 anos depois.




A 15 de Abril de 1989, antes da meia-final da Taça de Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest em Hillsborough, Sheffield (estádio do Sheffield Wednesday) 96 adeptos do Liverpool morreram em consequência da sobre-lotação da bancada que lhes estava reservada. Foi a maior tragédia de sempre do futebol inglês, e uma das maiores a nível mundial.

Estava-se em pleno período da suspensão dos clubes ingleses das provas europeias devido ao hooliganismo, pelo que muitos rapidamente concluíram que a culpa só podia ter sido dos adeptos.

Apesar dessa atitude geral, o Relatório Taylor, elaborado na sequência do desastre recomendou a abolição das vedações e dos lugares em pé nos estádios britânicos, o que foi posto em prática (com a consequente redução das lotações, o que ainda hoje afecta muitos clubes que não puderam ampliar os seus estádios ou construir novos).

Um luto geral abateu-se sobre a cidade de Liverpool, aquela, provavelmente, onde a paixão pelo futebol é maior em toda a Inglaterra (e a que ostenta mais títulos de campeão de Inglaterra, 27 no total, sendo 18 do Liverpool e 9 do Everton). O ambiente aqueceu especialmente quando uma famigerada capa de The Sun lançou a culpa sobre os adeptos.

Também a polícia, nos seus relatórios, procurou culpar os adeptos e isentar-se de responsabilidades.

Entretanto, ao longo dos anos, cresceu uma onda de revolta em Liverpool, com muitas vozes exigindo um inquérito independente à ocorrência (estes inquéritos, em Inglaterra, tendem a ser feitos e a ter consequências). Entre essas vozes contou-se a do Ministro da Cultura, Comunicação Social e Desporto (2008/2010) Andy Burnham, natural de Aintree, arredores de Liverpool, e adepto do Everton, o qual, por altura do vigésimo aniversário da tragédia, reclamou a divulgação pública por parte da polícia e dos serviços de emergência de documentação a que o Relatório Taylor não tivera acesso. Esta posição de Burnham levou à formação de uma Comissão Independente, presidida pelo Bispo Anglicano de Liverpool, a qual, na semana passada, tornou públicas as suas conclusões, devastadoras para a polícia e serviços de emergência. Ficou demonstrado que houve um grande encobrimento e distorsão dos acontecimentos por parte da polícia.

Perante uma Câmara dos Comuns visivelmente consternada, o Primeiro-Ministro David Cameron informou das conclusões da comissão e pediu desculpa às famílias das vítimas em nome do governo e do país. As conclusões foram encaminhadas para o Procurador-Geral, o qual poderá dar início a processos-crime.


Na passada 2ª feira realizou-se em Liverpool o primeiro jogo desde a divulgação do relatório, entre o Everton e o Newcastle. Numa grande manifestação de solidariedade, o Everton homenageou antes do jogo as 96 vítimas da tragédia. Passaram nos ecrans os nomes de todas elas, enquanto a instalação sonora tocava  "He ain't heavy, he's my Brother" dos Hollies. O futebol consegue, por vezes, unir os maiores rivais.


Nota: Esta solidariedade entre Everton e Liverpool teve, aliás, há poucos anos, semelhante expressão em Anfield, na homenagem a um rapazinho, adepto do Everton, morto por uma bala perdida num parque de estacionamento. O Liverpool convidou a  família do infeliz e a instalação sonora de Anfield tocou o hino oficioso do Everton "Z Cars", antes de um jogo da Liga dos Campeões.

PS. Noutros tempos, vi muitos jogos em pé em Portugal, e que nem sardinha em lata. Não sei como uma tragédia destas nunca por cá aconteceu.


16 comentários:

eumargotdasilva disse...

Esta é uma circunstância muito british; primeiro, como o foram tantas vezes ao longo da sua História, apesar de se considerarem justos e imparciais, acusaram o lado mais fraco... os suspeitos do costume. Depois, como também têm sido ao longo da sua História, foram dignos a reconhecer os seus males e defeitos, e repuseram a justiça...
What a waste of time!

Quanto ao futebol, ele é sem dúvida o desporto das massas (demos graças a Deus que nem Hitler, nem Staline, nem Mao gostavam da bola) e demonstra o que há de melhor e pior no comportamento das massas...
Quanto a nunca ter acontecido uma desgraça destas em Portugal, duas razões: a primeira , foi sorte; a segunda que os portugueses são sempre mais desconfiados e por isso tendem a pensar por si próprios nas ocasiões de aperto...
vivi isso no jogo de revanche do Bayern nas Antas... houve uma confusão, e abriu-se uma clareira para os "confusionistas" se expressarem sem prejudicar mais ninguém... levei boas pisadelas, mas...gostei

Nuno Nunes disse...

23 anos depois?! Parece o caso Camarate. Não é próprio dos ingleses, por isso até o primeiro ministro ficou envergonhado.

Carlos Santos disse...

Premier League, está a milhas de todos os outros campeonatos nacionais, em todos os aspectos.

Alexandre Burmester disse...

Nuno,

O teu comentário está claramente "off-side". Além disso, quem dera às famílias das vítimas de Camarate que, 23 anos depois, o caso tivesse sido esclarecido. É que já lá vão 32 anos, e nunca alguém algum dia será trazido perante a "justiça" portuguesa por causa de Camarate. Por cá, tudo prescreve e pouco se investiga e, à parte isso, a culpa morre sempre solteira. Mas, se queres fazer ironia, estás à vontade. Eu prefiro pensar naquelas 96 pessoas que apenas pretendiam ver um jogo de futebol.

Paulo Marques disse...

Mas o caso Camarate chegou ao fim?

Anónimo disse...

Muito bem!

Ps: sobre o adepto que morreu na final da taça, nunca mais se falou nada pois não?
Nem a federação, nem o clube fascista o slb fez nada pela família, que ao que parece, e que segundo ouvi dizer, até passam bem mal no dia a dia! Gostava de ver ser feita no salão de festas(luz) do FCPorto, uma homenagem ao falecido, mas isso seria impossível e inadmissível, para o pessoal do slb, principalmente para o vice-ordinário RG da Selva!

Nuno Nunes disse...

Alexandre,
Não é ironia. É um escândalo - e uma vergonha - que a responsabilidade da morte de 96 pessoas tenha demorado 23 anos a ser clarificada. Já que te queres debruçar sobre o assunto pensa nos familiares daquelas 96 pessoas que apenas pretendiam ver um jogo de futebol.

José Correia disse...

Emocionante, diria mesmo comovente, a foto de uma menina e um menino de mão dada, envergando as camisolas dos dois grandes rivais de Liverpool e cujas camisolas compõem o número 96.

José Correia disse...

É, também, por situações como esta, que a Premier League é o campeonato mais apaixonante e com maiores audiências a nível mundial.

Alexandre Burmester disse...

Mas claro que é um escândalo e uma verhonha, Nuno. O Primeiro Ministro brtitânico até deixou isso bem claro. Houve, aliás, unanimidade na Câmara dos Comuns, tendo o líder da Oposição referido que a responsabilidade deste atraso todo é de todos os governos que entretanto estiveram no poder.

Emanuel disse...

A premier league é a melhor liga do mundo, o campeonato português é o 4º.

Alexandre Burmester disse...

Essa imagem, José Correia, resume tudo. Não esqueçamos que, decerto, entre as 96 vítimas haveria familiares e amigos de adeptos do Everton, mas isso é secundário. Um cidade unida na dor, foi o que aquilo representou. E aproveito pra render o meu respeito a Sir Alex Ferguson, que se deslocou propositadamente a Goodison Park para asssitir a esta cerimómia.

Esperemos que, no domingo, aquando do Liverpool v Man. Utd., as coisas corram assim tão bem. É que há um pequeno segmento de adeptos do Man. Utd. que persiste em fazer piadas de mau gosto acerca do desastre de Hillsborough.

Alexandre Burmester disse...

Não, meu caro Nightwish! Nem Camarate, nem Entre-os-Rios, nem sequer - imagine-se! - o regicídio de 1908! O que se passou em Inglaterra com este caso foi uma situação típica de "no melhor pano cai a nódoa". Mas nem toda a gente assim o entende...

Ulf disse...

Belíssimo texto. Parabéns.

Anónimo disse...

Um grande dia. Parabéns pelo texto!

Azulantas disse...

Não há muito mais a dizer sobre os acontecimentos ligados à tragédia de Hillsborough mas acho que a questão dos lugares sentados não é universalmente aceite como solução permanente.

Veja-se o caso da Bundesliga onde vários clubes, como por exemplo o Borussia Dortmund, desfrutam de bancadas específicas para adeptos que querem ver os jogos de pé. Mais a mais é um ambiente completamente diferente, e seguindo um mínimo de regras de segurança é uma situação perfeitamente comum e geralmente bem aceite pelos adeptos.

Basicamente o que quero dizer é que os "Stands" ou áreas onde os adeptos vêem os jogos em pé podem ser tão seguras como as bancadas com assentos.