quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Futebol e a crise financeira mundial (I)


Com o avolumar da crise financeira global na semana passada assistimos às maiores quedas de sempre nas bolsas mundiais. Pânico foi a palavra certa para descrever o ambiente vivido em torno dos investidores bolsistas. Dizem os analistas (agora, como o nosso João Pinto dizia “prognósticos só no fim do jogo”) que a crise era previsível e inevitável.


A crise foi desencadeada no ano passado com o colapso das hipotecas subprime nos Estados Unidos e durante um ano acabou por tomar conta de bancos, casas de investimento, hedge funds e até de especuladores em todo o Mundo. O aparecimento e a disseminação de instrumentos financeiros sofisticados (denominados com acrónimos pomposos) baseados em créditos (activos) de recuperação muito duvidosa foram o passaporte para a implosão do sistema financeiro mundial. Warren Buffett tinha considerado há dois anos atrás estes créditos derivados como “armas financeiras de destruição maciça”. Aliás, o FMI tem liderado as críticas a esta nova estrutura financeira mundial e ao longo dos últimos quatro anos tem publicado as explicações pormenorizadas dos perigos que essa estrutura representa para a estabilidade económica mundial.


Entre falências e vendas de gigantes a preço de saldo no mundo financeiro, nos dias que correm vemos de tudo. Só nos Estados Unidos já estiveram em apuros, e salvos apenas pelo Governo, o Bear Stearns, o Indymac, o Fannie Mae e o Freddy Mac. O quarto maior banco americano, o Lehman Brothers faliu e o Merril Lynch foi comprado pelo Bank of América a metade do preço. Em Março, já o Bear Stearns tinha sido adquirido a preços de saldo pelo JP Morgan. Nem a gigante seguradora americana AIG que patrocina o poderoso Manchester United escapou e teve praticamente de ser nacionalizada (80% do seu capital pertence agora ao banco central norte-americano). Na Europa as instituições financeiras a revelarem problemas são muitas e provavelmente nunca imaginadas, como o Royal Bank of Scotland, o HBOS e o Lloyds TSB no Reino Unido, o Grupo Fortis na Bélgica e na Holanda, o Hypo Real Estate na Alemanha, o Landsbanki, o Kaupthing e o Glitnir Bank na Islândia e o Bonusbanken na Dinamarca. Isto para além de quase todos os Governos europeus terem anunciado a ajuda de muitos milhares de milhões de euros aos sistemas bancários nacionais quer seja através da participação no capital dos bancos (nacionalização) quer seja através da disponibilização de linhas de crédito para garantir a sua liquidez.


Perante este cenário negro podemos questionar de que forma é que o futebol nacional e mais concretamente a FC Porto, SAD serão afectados. As dificuldades poderão ter diversas origens e previsivelmente irão fazer-se sentir tanto no lado da receita – uma retracção no consumo poderá afectar negativamente a receita de bilheteira e de merchandising e a médio e longo prazo a receita proveniente da sponsorização se as assistências tiverem uma forte diminuição e, principalmente, uma redução dos valores envolvidos no mercado de transferências, a maior fonte de receita do FC Porto – como do lado da despesa – uma aumento das taxas de juro fará com que os encargos com a dívida aumentem e que o acesso ao crédito bancário seja mais restrito.

O próprio administrador da SAD do FC Porto responsável pela área financeira, Fernando Gomes, confessou as suas preocupações numa entrevista ao PÚBLICO em 10.10.2008:
“(…) a grande preocupação está centrada na inevitável contracção do mercado de transferências, fonte insubstituível de receitas para um país exportador de "mão-de-obra qualificada", como é Portugal. "Antevejo extremas dificuldades para o futebol nacional", confessou Fernando Gomes.

"A circunstância agravante para os clubes portugueses resultará da diminuição da capacidade de aquisição de outros clubes europeus, que são habituais clientes de jogadores em Portugal. Uma situação que terá evidentes reflexos nos clubes nacionais ao nível da capacidade de gerar mais-valias, que constitui um parâmetro essencial do nosso equilíbrio financeiro", garantiu o responsável dos "dragões", que acredita que os seus receios serão confirmados já na reabertura do mercado de transferências, em Janeiro.


Também Domingos Soares de Oliveira, administrador da SAD do Benfica, considera "inquestionável" que o enfraquecimento da posição dos principais mercados importadores terá impacto no futebol português, ainda mais se conjugado com as restrições ao crédito bancário. "Se se comprovar o impacto da crise no mercado de transferências, que impeça os clubes de concretizarem mais-valias e equilibrarem com isso as suas contas, a alternativa, que é a fonte bancária, terá condições mais restritivas e, obviamente, irá afectar os clubes de outra maneira. Só o efeito do acesso ao crédito em termos nacionais não seria suficiente para provocar grandes problemas, agora os dois factores conjugados podem, efectivamente, ter aqui algum impacto", defendeu.


A questão do passivo bancário e do acesso ao crédito foi também destacada por Fernando Gomes. "Esta ausência de liquidez vai tornar muito mais difícil o acesso ao crédito, que terá uma selecção muito mais rigorosa, ainda mais quando os clubes portugueses estão altamente endividados e necessitados de fundos de terceiros, nomeadamente da banca", referiu.”


Na verdade, as receitas com transferências em Portugal caíram cerca de 60% de 2007 para 2008. O FC Porto só conseguiu 18,6 milhões (mais o passe de Pélé) pela venda do passe do Quaresma. Tendo em conta os valores por que foram vendidos outros atletas do FC Porto nas últimas épocas e a aparente intransigência de Pinto da Costa no pagamento da cláusula de rescisão (40 milhões) para a saída de Quaresma, não foi estranha esta descida súbita nos valores pagos por transferências de jogadores? Será que o mercado de transferências já está a ressentir-se da crise financeira internacional ou será apenas uma questão de conjuntura?


Este artigo continua (parte II).

Nota: os negritos são da minha responsabilidade

4 comentários:

José Correia disse...

Sabendo-se que as mais-valias resultantes das transferências são essenciais para o equilíbrio financeiro da SAD, conforme reafirmou Fernando Gomes, e a confirmarem-se os receios do administrador da SAD portista relativamente à diminuição da capacidade de aquisição dos clubes europeus, que impacto isto irá ter na FCP SAD?

De que modo irão ser pagos/amortizados os grandes investimentos feitos em jogadores nas últimas três temporadas?

Como irão ser suportados os custos com um plantel de 50-60 jogadores?

Mário Faria disse...

Se a crise se confirmar e aprofundar, os prejuízos vão ocorrer em todas as praças, as mais fortes incluídas, o que significa a meu ver que a gestão no futebol vai ter que dar uma volta. E a retracção no mercado exportador, talvez permita que outras formas de negócio sejam possíveis, sempre tendo em conta que os valores exorbitantes que se pagavam por passes dos jogadores, já era.
Por outro lado, é bem provável que os modelos de gestão finalmente tenham em conta esta austeridade, e não se pague dinheiro sem ter conta que o dinheiro está caro, muito caro e que essa austeridade deve começar e acabar no próprio CA da SAD : nos seus salários, prebendas e na forma como constitui o plantel. Gerir e superar a crise é uma oportunidade só para os melhores.
Os jogadores e empresários vão ter que ajustar-se a esta realidade, sob pena dos salários em atraso, das "falências", e da utilização de toda a bateria de “penalizações” que são permitidas às empresas na assumpção de medidas excepcionais de saneamento.
Os ricos, desta vez, também vão pagar a crise, penso eu de que. Temos de esperar para ver como se vai acomodar o mercado e como os diferentes parceiros vão interagir para superar, sobreviver e continuar com o "bem bom", sem ter de prestar contas a ninguém.

José Rodrigues disse...

De um ponto de vista do futebol, penso q a crise financeira terá um impacto acima de tudo no acesso ao crédito e na taxa de juro.

Ora nesse aspecto o FCP (SAD) está vulnerável, pq temos um crédito (em boa parte de curto prazo) considerável. Se já gastamos mais de 3 milhões em juros da dívida, amanhã a coisa pode complicar-se bastante.

Mas há muitos clubes por essa Europa fora q não estão muito endividados (embora alguns estejam).

De resto não comungo da opinião de q as receitas do FCP podem ser muito afectadas: as receitas de TV, da UEFA, de patrocínio e em boa parte de bilheteira são mais ou menos "cativas" a curto prazo e não serão pois afectadas (já se houver uma *depressão* económica por alguns anos, claro q o será, mas isso não vai acontecer).

Quanto às receitas na venda de jogadores, penso q poderão ser um pouco afectadas mas nem tanto. Um Real, Um Barça, um Chelsea ou um Inter não serão beliscados pela crise financeira (embora outros o sejam).

De qq forma isto para mim só demonstra q já é mais do q altura para reinar nos custos, incluindo as contratações de quem tem a barriga cheia.

Por ex: o FCP já não podia dar um luxo de especular na compra por 5,5 milhões de 50% do passe de um desconhecido do mercado internacional, e agora ainda muito menos... e não é só nos valores: é tb nos números (de contratações).

Com JF no seu 3o ano de FCP, o clube fez DOZE contratações, depois de JF já ter feito uma "limpeza" de balneário um ano antes. É francamente exagerado e difícil de compreender; algo mais próprio de clubes desesperados ou novos-ricos, qdo não somos nem uma coisa nem outra.

Anónimo disse...

"Toxic debt" foi o termo criado pelos especialistas para descreverem o crédito mal parado com origem nos empréstimos hipotecários a gente a quem, em períodos de maior prudência e juízo, nem o merceeiro fiaria. "Toxic debt" poderá ser também o modo como a banca vai passar a considerar os empréstimos aos clubes de futebol, do que resultará uma grande retracção nos mesmos e um aumento do seu custo.

Como ainda recentemente referia o primeiro-ministro do Canadá,quando Noé começou a construir a arca o tempo ainda estava bom.