terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quem deve fazer o plantel?

Jesualdo Ferreira, recentemente em entrevista ao Público:

O FC Porto tem de se estruturar internamente, tem de ter um “scouting” activo e competente e os treinadores do FC Porto têm de se dedicar profundamente ao trabalho com os jogadores que chegam.


Kevin Keegan, quando abandonou recentemente o Newcastle:

It's my opinion that a manager must have the right to manage and that clubs should not impose upon any manager any player that he does not want.


Luís Freitas Lobo:

É uma das perguntas teóricas mais feitas no futebol: o que está primeiro, o sistema ou os jogadores? A resposta certa escapa, porém, a esta simples dicotomia. O que está primeiro é o modelo de jogo do treinador. Quando no início da época se contrata um treinador, os clubes devem ter presente que mais do que o líder ou o estratego, contrata-se também, simultaneamente, o seu modelo de jogo preferencial.


E muitos outros exemplos se arranjariam, por isso a questão que eu ponho: no meio disto onde é que fica a política desportiva e de contratações?

foto: Academia de Talentos

O clube deve ter um modelo de jogo ou ter o modelo de jogo do treinador? Ou seja, anda-se uma meia dúzia de anos a dizer que se está a implementar um modelo de jogo no clube, a equipa de juniores B passou da alçada do clube para a SAD, para uniformizar modelos de jogo desde os 15-16 anos. Fazem-se contratações para os escalões jovens, para os jogadores crescerem dentro do clube a jogar em determinado modelo. Depois chega um treinador e faz-se um rewind a tudo isto? começa-se tudo de novo? ou ignora-se o sistema de jogo da equipa principal e continua a formar-se para o 442 e 433?

Num clube que tem uma cultura de manter os treinadores durante 2 anos (com casos muito esporádicos de 3 anos), faz sentido dar liberdade total de acção ao treinador? Faz sentido contratar um treinador por 2/3 anos e depois contratar os jogadores por 4/5 anos? Se o próximo treinador não gostar do modelo de jogo anterior e quiser implementar o seu, lá vão ficar jogadores encostados 2 anos com o clube a pagar salários ou indemnizações.

Se se muda constantemente o modelo da formação, a probablidade de aproveitar jogadores diminui. Se se dá liberdade ao treinador para escolher o modelo de jogo, ele precisa de jogadores para esse modelo, logo não há tempo para os formar, logo há que contratar a terceiros.

Parece-me que o lema Quando se contrata um treinador, contrata-se, ao mesmo tempo, o seu modelo de jogo na gestão global de um clube ou SAD, é a melhor forma de aumentar o n.º de jogadores sobre contrato, logo aumentar os custos, algo a que um clube como o FCP não se pode dar ao luxo.

Ou fazendo-o, tem de o fazer a médio prazo para dispersar os custos, mas para isso precisa que o treinador fique 5-10 anos no clube (numa gestão à inglesa), e que a mudança se faça gradualmente, nos escalões jovens o modelo entra em vigor de imediato, na equipa principal no 1º ano é o treinador a adaptar-se aos jogadores que tem, no ano seguinte vai-se fazendo um misto, e ao fim de 2-3 anos aplica-se o modelo do treinador, nesta altura a formação já poderá fornecer jogadores e o plantel foi sendo moldado para o modelo desejado. Mas nessa altura é bom que o treinador fique mais 4-5 anos.

Neste aspecto e como reconhece Jesualdo Ferreira parece-me que o FC Porto está com a política correcta. Ao contrário de muitos, a mim não me repugna, que seja a SAD - e não o treinador - a escolher os jogadores. Pode repugnar-me a forma como a nossa SAD escolhe alguns jogadores, mas isso é outra conversa.

4 comentários:

Zé Luís disse...

Bom tema de reflexão, João Saraiva. E a certeza de o FC Porto estar no caminho certo, de facto. O único que destoou foi o Octávio. Antes dele só o Quinito. Mas este destoou muito? Não. Foi apenas incapaz de estar ao leme do barco, mas o princípio dele, que não era "pelo sistema", estava correcto.

São os jogadores que fazem o sistema, não o treinador que os molda ao modelo que prefere. Aqui, mais uma vez, discordo de LFL, que parece amiúde não saber do que fala.

À parte o Ajax, e por uma cultura muito própria que é extensível a todos os clubes e a um futebol padronizado na Holanda, criando um sistema de jogo desde as camadas jovens até estes chegarem, nesse sistema, ao plantel principal, raros são os clubes que cotratam um treinador pelo seu sistema de jogo.

O Real Madrid tanto tem treinadores de ataque, sem evitar fracassos como W. Luxemburgo (ou C. Queiroz) como teve de recorrer a Fabio Capello - para mim o melhor treinador do mundo - e assim ganhar dois títulos nas duas épocas em que o italiano esteve no Bernabéu. Capello tem uma visão própria do futebol, é italiano, é um vencedor, e seguramente um treinador diferente de muitos outros.

Já Trapattoni dizia que o sistema "são os jogadores", estes é que obrigam o treinador a escolher um sistema que se lhes adapte e tire deles o melhor. O objectivo primeiro é: vencer.

O resto é treta. O blá, blá, blá que servem as tv's em infindáveis e vácuos programas de futebol falado.

Mourinho jogou no Porto em 4x3x3 e em 4x4x2, adaptou-se aos jogadores e às circunstâncias de cada época, dos adversários, das competições domésticas ou internacionais.

Acho que não vale a pena prolongar mais o assunto. Pinto da Costa quer é treinadores vencedores, dando-lhes condições para isso e tal passa também por contratar jogadores. O balanço é, obviamente, muito positivo, apesar de críticas pontuais e mesmo justificadas.

sirmister disse...

Eu defendo que o FCP devia encontrar um treinador e mante-lo por largos anos precisamente por isso, esse treinador poderia ser Jesualdo que não sendo perfeito tem evoluido e acredito que é melhor treinador hoje do que era quando chegou ao Porto. O problema é que muitas vezes os adeptos Portugueses olham pouco ao que a equipa joga e preocupam-se no passdo dos treinadores (Fernando s Santos foi queimado no benfica de forma semelhante á de jesualdo no FCP ), e em mudar por mudar (e aqui tambem entra o campeonato das contrataçoes).

Quanto á escolha dos jogadores por alguem que não o treinador, acho que pode ser feita mas deveria ter sempre o aval do treinador, para não chegarem Quintanas e serginhos ao clube.

José Correia disse...

«Neste aspecto e como reconhece Jesualdo Ferreira parece-me que o FC Porto está com a política correcta. Ao contrário de muitos, a mim não me repugna, que seja a SAD - e não o treinador - a escolher os jogadores. Pode repugnar-me a forma como a nossa SAD escolhe alguns jogadores, mas isso é outra conversa.»

Subscrevo inteiramente este último parágrafo do artigo do João Saraiva.

The Turk disse...

Muito bom o artigo do João Saraiva.

Dizem que quem faz as contratações é a SAD e não o treinador do Porto. O Porto de Jesualdo não é uma equipa que privilegia a posse de bola. Se olharmos para as contratações feitas desde que Jesualdo está no clube vê-se que na sua maioria são jogadores que encaixam no seu modelo de jogo, jogadores que correm muito mas sem grande capacidade técnica. Daí o motivo para os reforços serem na sua maioria argentinos e poucos portugueses ou brasileiros. O modelo de jogo de Jesualdo é o motivo pelo qual Ibson não tem lugar na equipa, o futebol rendilhado do brasileiro não se encaixa na filosofia do treinador, tal como lhe aconteceu anteriormente com Adriaanse e também com o Diego.

O problema é que estamos em Portugal. É difícil ter um treinador muitos anos no clube porque se ele tiver sucesso sai para clubes maiores, se não tiver os adeptos mandam-no embora. Claro que não podemos fazer como o Barcelona, que esta época mudou de treinador e gastou 90M€ em reforços. Para o Porto faz mais sentido ter um modelo de jogo no clube e optar por treinadores que joguem nesse modelo. Caso contrário continuarão a haver dezenas de jogadores emprestados a outros clubes à espera de um treinador que os aproveite.