quinta-feira, 17 de junho de 2010

Matos Pacheco, o Senhor basquetebol

Na sequência do que vem efectuando nos últimos anos, no próximo fim-de-semana, dias 19 e 20, a Secção de Basquetebol do Futebol Clube do Porto vai organizar o 6º Convívio “Matos Pacheco”, em Minibasquete, com equipas de Sub8, Sub10 e Sub12.

A atribuição do nome de Matos Pacheco a este Torneio/Convívio é uma forma de homenagear um dos mais ilustres dirigentes do basquetebol em Portugal, cuja vida se confunde com a história da modalidade no FC Porto, a que esteve ligado durante várias décadas.

Numa altura em que ocorreram alterações profundas entre os dirigentes do basquetebol portista (saíram simultaneamente Fernando Gomes e Fernando Assunção), vale a pena recordar Matos Pacheco e uma entrevista que ele deu à Secção de Basquetebol do Futebol Clube do Porto, em Junho de 2006.

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FCP: Como é que alguém que nasceu em Braga tem uma ligação tão forte ao FC Porto?

Matos Pacheco: Nasci e cresci em Braga, mas a minha família veio para o Porto quando eu tinha 14 anos, no início da década de 30. Acontece que as únicas pessoas que conhecíamos moravam na Rua de São Brás, que ficava a 100 metros do Campo da Constituição, onde o FC Porto treinava e jogava todas as modalidades. Nessa altura, o FC Porto tinha até uma equipa de râguebi! Como os visitava sempre que possível, comecei a passar todas as minhas horas livres na Constituição.

FCP: Percebe-se como chegou ao clube, mas como chegou ao basquetebol?

MP: Sempre tive problemas de visão - não é uma dificuldade recente - e por isso privilegiava as modalidades com distâncias mais curtas, em que pudesse ver ao perto. Entretanto, um colega de trabalho, muito desportista, convidou-me para ir ver um jogo de basquetebol, um Porto-Paris, ao campo do Fluvial. Fiquei a gostar, praticava-se a um metro do público. Como espectador, ainda assisti à vitória em dois campeonatos da II Divisão. O interesse pela modalidade no FC Porto começou a crescer e resolveu-se adaptar o court de ténis que existia na Constituição para campo de basquetebol. Era um campo de pó de tijolo, de terra batida.

FCP: Até que entrou para a secção…

MP: No início da década de 50 convidaram-me para segundo vogal, porque precisavam de alguém e eu andava sempre por lá. Como tinha algumas horas livres comecei a fazer um pouco de tudo. Comecei a trabalhar com os mais jovens, o que me incutiu a propensão, que sempre tive, para a formação. De tal maneira que o primeiro campeonato nacional de juvenis – na altura, o escalão designava-se por ‘escola de jogadores’ – que se disputou foi ganho pelo FC Porto, em Ílhavo, numa final com o Belenenses.


FCP: Naquela altura era natural os atletas jogarem mais do que uma modalidade.

MP: Os jovens que viviam na zona de Paranhos tinham o FC Porto ou o Salgueiros. Mas este só tinha futebol, pelo que quem não tivesse jeito para dar uns chutos na bola, apostava nas outras modalidades no FC Porto. Era de facto muito normal jogar em mais do que uma modalidade. Eram quase todos os que praticavam andebol de 11 e basquetebol simultaneamente. Lembro-me, por exemplo, do João Lopes Martins que praticou atletismo, andebol, basquetebol e futebol a um nível elevado, tendo sido internacional em mais do que um desporto. Essa situação aconteceu até que o professor Armelindo Bentes separou as águas e instaurou a especialização em apenas uma modalidade.

FCP: Mais tarde, chegou a director…

MP: Fui de 1º vogal a Director eleito. Percorri a hierarquia toda. A determinada altura, mais concretamente em 1978/79, resolvi profissionalizar o basquetebol, com a ajuda de Jorge Araújo. E alcançámos de imediato algo que nunca se tinha conseguido: ganhar no mesmo ano todos os campeonatos regionais e nacionais em todos os escalões. Além disso, depois de muitas finais perdidas, também vencemos pela primeira vez a Taça de Portugal em seniores, numa final contra o Sporting, que na época anterior tinha feito a dobradinha.

FCP: Não lhe faltou fazer nada na secção.

MP: Fiz quase de tudo. Desde ‘mulher de limpezas’ a director. Abria e fechava o pavilhão, ligava e desligava a electricidade. Quantas vezes, com a ajuda dos meus colaboradores, montava e desmontava os separadores de campos do antigo pavilhão de treinos [entretanto demolido por causa do Estádio do Dragão]… Só não fui jogador ou treinador. Nunca soube nada de basquetebol…

FCP: Perdeu a visão há mais de dez anos, mas nem por isso deixa de acompanhar a modalidade…

MP: Estou a par da actualidade do basquetebol. Vou seguindo o que se passa pelo que me dizem e pelo que ouço na televisão ou na rádio. E não deixo de marcar presença no pavilhão nos jogos em casa. Há sempre alguém que me vai dizendo a evolução do resultado e como é que está o jogo.

FCP: Atravessou um período do basquetebol que não é conhecido por uma boa parte dos adeptos da modalidade. Quais são as diferenças mais acentuadas para o basquetebol actual?

MP: Como adepto, parece-me que a diferença é para pior. A presença de estrangeiros nas equipas começou por ser limitada e agora é quase ilimitada. Mesmo recentemente, contra o Aveiro Basket, o FC Porto chegou a alinhar com cinco estrangeiros. E acontece o mesmo com as outras equipas. Esse facto é uma das causas que afastaram os espectadores da modalidade. Quando se podia ter apenas um estrangeiro o interesse público era maior. Em 1952, quando entrei para o basquetebol, já o Benfica tinha um ou dois estrangeiros, mas durante anos isso aconteceu apenas de forma residual.

FCP: Consegue identificar os seus melhores e piores momentos ligados ao basquetebol?

MP: Antigamente, é óbvio, não existiam nem a comodidade nem a segurança de agora. Aconteceu muitas vezes ser corrido à pedrada e aos empurrões. Até tinha um casaco de nylon a que chamava de blusão de cuspo. Chegava a casa, metia-o debaixo de água e estava pronto para outra. O momento mais difícil talvez tenha sido depois de um jogo em que ganhámos em Alvalade – o Carlos Lisboa ainda era júnior do Sporting, mas já começava a jogar pelo seniores – em que só conseguimos sair do pavilhão umas horas depois e escoltados pelo então presidente do Sporting, João Rocha, e pelo professor Moniz Pereira. Em oposição, o basquetebol proporcionou-me sempre momentos agradáveis. Foram tantos que são quase impossíveis de enumerar.

FCP: E um treinador que o tenha marcado?

MP: Em relação à formação, pela sua organização e pelo número recorde de campeonatos que venceu, marcou-me muito o Mário Barros.

FCP: Dos jogadores estrangeiros que já passaram pelo FC Porto, destacaria algum?

MP: O primeiro que realmente se notabilizou no basquetebol português, não só no FC Porto, foi o Dale Dover. Ele caiu do céu. Digo isto, porque é realmente verdade: ele entrou em Portugal de hidroavião e amarou em Cabo Ruivo. Nessa altura, já estava ao serviço do Departamento de Estado dos EUA. E foi por isso que veio para o nosso país. Mas pelo que me dizem – infelizmente já não o pude ver jogar –, o Jared Miller terá sido o melhor de sempre.

FCP: Segundo o que está projectado, o FC Porto voltará a ter um pavilhão para as modalidades nas Antas. O que lhe sugere o possível regresso às origens?

MP: Penso que será bom. O primeiro golpe que foi dado ao basquetebol do FC Porto – e eu fui o grande culpado disso – aconteceu quando saímos das Antas para o Pavilhão Rosa Mota. Alguns sócios, aqueles que “viviam” nas Antas, nunca nos perdoaram, apesar de todas as vantagens desportivas e de trabalho que a mudança implicou. Agora, as assistências não são muito famosas e parece-me que boa parte da culpa é das televisões, que impõem os horários.

FCP: E como vê o futuro do basquetebol no FC Porto?

MP: Enquanto o Fernando Gomes e o Fernando Assunção existirem para o basquetebol, um a 24 horas e o outro nos tempos livres, se é que os tem, não há problema, mas quando baixarem os braços não sei… Poderá acontecer o mesmo que a outros clubes: deixar de existir. Nesse sentido, o futuro assusta-me.

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É quase comovente (re)ler esta entrevista e o que dela transparece de dedicação, paixão pelo basquetebol e de amor ao Futebol Clube do Porto.

O Senhor Matos Pacheco faleceu no dia 25 de Junho de 2007, aos 90 anos, num hospital do Porto. Que os novos dirigentes do basquetebol portista – Júlio Matos e Rodrigo Moreira - saibam honrar a sua memória.


Foto 1: Campeões nacionais de 1951/52, Matos Pacheco (na altura seccionista) é o terceiro em cima, a contar da direita para a esquerda (fonte: blogue ‘Dragão Penta Campeão’)
Foto 2: Professor Mário Barros (fonte: blogue ‘Campos MVP’)
Foto 3: Dale Dover (fonte: blogue ‘Paixão pelo Porto’)

4 comentários:

meirelesportuense disse...

É um testemunho comovente e muito abrangente, meditem naquela do "casaco do cuspo"...Ponho uma pergunta: -João Lopes Martins aqui referenciado era pessoa ligada a Esposende?...

José Correia disse...

«Lopes Martins é considerado o atleta mais completo e ecléctico que passou pelo FC Porto. Foi um praticante de invulgar qualidade em Futebol, Basquetebol, Andebol, Atletismo, Râguebi, Hóquei em Campo e Natação. Capitão da equipa de Andebol que venceu os campeonatos de 1938/1939, 1939/1940, 1940/1941 e 1941/1942 (quatro títulos consecutivos). Foi internacional em Basquetebol e exerceu na década de 40 as funções de treinador desta modalidade.»
in 'Dragão Penta Campeão'
http://dragaopentacampeao.blogspot.com/2009/03/andebol-modalidade-de-campeonissimos.html

No link anterior pode ser vista uma foto de Lopes Martins.
Mas não se esqueçam que este artigo é sobre o Senhor Matos Pacheco e o basquetebol portista.

Mário Faria disse...

João Lopes Martins era portuense, irmão de David Lopes Martins, ambos atletas do FCP, embora o primeiro tivesse uma notoriedade e reconhecimento superiores.
David Lopes Martins foi o grande animador da secção de natação no FCP e um dos obreiros da piscina das Antas. Portistas de gema e meus familiares.
João Lopes Martins foi um dos três “portadores” da bandeira do FCP, aquando da inauguração das Antas.
Os outros dois, se a memória não me atraiçoa eram : Mota Freitas (porta estandarte) e Valdemar Mota.
Não é de mais falar da importância de Armelindo Bentes e Dale Dover no basquetebol do FCP de outras eras. Recordo jogadores como João Fernando, um super-criativo, e Clemente que lançava à “padeiro”e raramente falhava, no primeiro título conquistado.
Ficou por falar de um homem que fez um bom trabalho (antes de Dover) e em que fizemos uma excelente época : Ruben Lopez. Uruguaio, criou uma equipa que se bateu até à última com o SLB na conquista do campeonato.
Mário Barros fez a sua carreira como jogador ao serviço do Vasco da Gama. No FCP foi treinador e chegou a sê-lo da equipa principal. Um excelente companheiro e profissional.

André Oliveira disse...

Parabéns por este excelente post.