quarta-feira, 27 de junho de 2012

Uma meia final na boca do lobo

É verdade que viver como emigrante muda a perspectiva que se tem do país de origem. Sou mais portista e portuense que português, na alma, mas quando chegam momentos como este é normal que a costela lusitana me venha ao de cima e sinta na pele isso de ser um no meio de muitos milhões. Vivo em Madrid, na boca do lobo, e hoje vou ter bem aqui ao meu lado, à beira do Bernabeu, quase um milhão de pessoas na rua a gritar contra o meu país.

Vivo aqui há seis anos e sei perfeitamente a ideia que os espanhóis têm dos portugueses.
Enquanto nós somos os parolos que os tratam por "nuestros hermanos" e que sempre tentam falar esse "portunhol" sempre que lhes aparece um pela frente para agradar. Sempre que vou ao Porto, cheio de turistas espanhóis nos últimos anos, é lamentável ver essa atitude mas isso são outras histórias. Mas não se enganem, os espanhóis nem nos vêm como irmãos, nem jamais se preocupariam em aprender o significa sequer da palavra "saudade". Para eles somos ainda ciganos que vendem toalhas na fronteira, país de mulheres com mais pelo e bigode que os homens e com um intelecto diminuto, bom para trabalhar nas obras. Essa imagem cheia de estereótipos é real num país que quando quer dizer algo que não seja Espanha só sabe dizer "a península". Quando lhes digo, insultado, que na península há dois países mais (como é Andorra), a resposta é sempre a mesma: "sois demasiado pequenos para justificar que mudemos o termo".


Nunca fui mal tratado em Espanha por ser português, mas ninguém entende porque tenho mais do que dois apelidos, porque o primeiro apelido é o da mãe e não do pai, porque sei falar tantos idiomas quando eles mal o seu conseguem falar com correcção (há zonas piores e melhores, claro). Mas, sobretudo, porque a imagem do país tem mudado nos últimos anos graças ao futebol. Primeiro foi a popularidade tremenda de Paulo Futre em Madrid. Anos depois a "Geração de Ouro" de Luis Figo, Rui Costa, João Pinto (as fracas exibições de Baía e Fernando Couto no Barça e o negócio Secretário não deu lá muito boa imagem) e o papel do FC Porto nas provas europeias (apesar de que ainda hoje todos se queixam que o Deportivo foi roubado em 2004 por uma equipa muito inferior) mudou essa perspectiva. Mas é o fenómeno Ronaldo e Mourinho quem realmente abriu os olhos às pessoas e há muitos espanhóis que não vêm com mais olhos que Portugal vença este Europeu só por serem adeptos do Real Madrid irritados com uma selecção com tantos jogadores do rival Barça.

Mas apesar disso seguir a imprensa espanhola é um exercício de relaxamento mental obrigatório.
Não há um só jornalista - e se isto foi sempre assim, agora que realmente ganham é pior - que não diga que a diferença entre as duas equipas é abrumadora que nem devia haver jogo. Tirando o genuíno medo que muitos têm a Ronaldo, não há o mais mínimo conhecimento da selecção. Desvalorizam o imenso trabalho de Meireles e Moutinho, utilizando sempre a frase típica espanhola "aqui há melhor", não se preocupam com Nani ou Veloso e só se lembram de Pepe e Coentrão pelo que fazem com a camisola do Real Madrid, catalogando o primeiro de violento (1 só falta este Euro em 250 minutos) e o segundo de despistado (apesar do óptimo torneio que está a fazer). Ninguém acredita que a selecção portuguesa tenha a mais minima opção (verdade seja dita, eles dizem que ninguém a tem).



Este discurso não é novo. Nos Oitavos de Final do passado Mundial foi a mesma lenga-lenga e quando Portugal venceu a campeã do Mundo por 4-0 num amigável, a imprensa do país vizinho assobiou para o lado apesar dos avisos de Del Bosque, homem sério que já disse por várias vezes que respeita, e muito, a selecção portuguesa.

A verdade é que os espanhóis são um povo que sofre um pouco desse complexo de superioridade inexplicável, essa forma de afirmar-se minorando tudo o que o rodeia. Em todos os desportos - e a nível desportivo a verdade é que levam 20 anos de sonho - há sempre o nós contra todos, com jornalistas a vestirem a camisola e agitarem a bandeira em nome de individuo e clubes, sempre e quando possam vender essa ideia de Espanha vs o Mundo. Nesse panorama somos, uma vez mais, o parente pobre da Peninsula, o povo que está aí ao lado e que os impede de mandar em todo o território para lá dos Pirineus, o último obstáculo antes de mais um troféu internacional.

Dito isso, sinto que vamos à final. E nesse jogo podem ter a certeza que muitos "madridistas" (que não espanhóis) estarão a apoiar a sua legião de jogadores.

15 comentários:

Vasco disse...

Fantástico texto. Esperemos que o seu "feeling" se confirme no final do jogo!

Saci Pererê disse...

Vivo em Espanha e não estou nada de acordo com essa imagem dos espanhóis. Vivo há seis anos entre 3 cidades espanholas. Sempre fui muito respeitado por todos, todos tecem elogios à beleza de Portugal, o interesse não tem nada a ver com o Mourinho nem com o Ronaldo, aliás quem não é fã do Madrid nem os pode ver à frente. Há um grande respeito pela revolução dos cravos (num país que teve uma guerra civil), fala-se mais de escritores portugueses em Espanha do que espanhóis em Portugal (Fernando Pessoa, José Saramago). Acho que há de tudo, e em Madrid (onde vivi 2 anos) há muito "chulo" e muito ignorante, mas uma flor não faz um jardim.
Quanto ao futebol, todos os que realmente gostam de futebol têm um enorme respeito pelo FC Porto e todos dizem que o Porto compra jogadores como ninguém, alguns falam do Depor, mas isso não é nada de especial, também falam da final contra o Bayern e o "taconazo" do Madjer.

Anónimo disse...

obviamente que tal como Lisboa é Portugal Madrid é Espanha... Classificar este texto como fantástico é no mínimo hilariante. Arriba Portugal!!!

Franco Baresi disse...

Excelente Reflexão sobre os Castelhanos! Só uma nota: Se é Portuense não será de "costela Lusitana" mas sim de "costela Galécia".

.:GM:. disse...

O Vitor Baia foi considerado o melhor guarda-redes da Liga na sua primeira época no Barcelona. Depois vieram as lesões e o Van Gaal e o resto já se sabe. Conheço uns quantos adeptos do Barça que lhe reconhecem o valor e nenhum que não o faça.

Anónimo disse...

Cada um tem as suas experiências. A minha experiencia é mais com os Galegos, e minha visão é completamente oposta à sua. Agora acredito que eles aí em Madrid ainda tem o estigma do conquistador e capital do império. Acho que esse retrato podia ser o do Lisboeta Madrileno ou Parisiense.

Eu por exemplo vivo no Brasil sou Portista e do Porto dos sete costados, e aqui até incomoda a imprensa a falar do Euro. é como se nem fosse haver meias finais.
José Magalhães

Anónimo disse...

Olá a todos,

Vivo em Barcelona à 6 anos e tb para mim este jogo é especial.
Gostava de contrapor a minha experiencia com a que nos deu o Miguel. Madrid e Barcelona, o mesmo pais, mas mundos diferentes.
A imagen que os Espanhóis tem de nós eu nao definiría como a dos parolos da aldeia (embora sim, Portugal=toalhas) mas simplesmente… nao tem uma imagem de nós.
Se preguntarmos a alguém nao saberao o que dizer, nao tem informaçao, nem interesse. Os media, que nao dao tanta importancia a actualidade internacional como em Portugal, quando se trata do nosso país parece que fazem de propósito para nao dar nenhum relevo ao que se passa.

O nosso interesse e aptidao pelas linguas e pela internacionalizaçao acho que sao a nossa maior vantagem competitiva em relaçao aos Espanhóis, e nao acho de maneira nenhuma que uma pessoa que se esforça por falar outra lingua se coloca numa posiçao de inferioridade em relaçao ao seu interlocutor, mesmo que este nao faça sequer um esforço.
É verdade que, infelizmente, Portugal se dá a conhecer sobretudo pelos seus futebolistas, embora aquí na Catalunha os exemplos Mou e CR7 nao contribuam muito para a nossa boa imagem. Por falar nos catalaes, tradicionalmente desligados da Roja, últimamente sentem-se bastante mais identificados por força da forte presença blaugrana, mas a atitude em geral é um bocado:se ganhar espanha bem, se preder q se lixe espanha q eu sou Catalao!! (win-win)

Ja agora aproveito para pasar este link com um analise do El Pais de hoje a importancia do nosso Moutinho na nossa Selecçao:


http://deportes.elpais.com/deportes/2012/06/26/eurocopa_futbol/1340741528_409559.html


Abraço a todos e até os comemos!!!
Pedro

HULK 11M disse...

Penso que não podemos generalizar o sentimento dos "espanhóis" em relação a nós.
A Espanha é um conjunto de "países" com significativas diferenças entre eles. Tal como Porto e Lisboa são cidades com "temperamentos" e comportamentos muito diferentes. Sou do tempo em que me deslocava a Lisboa, não em futebol, e era tratado abaixo de cão. Topavam-me o sotaque em restaurantes e hoteis e passavam logo a considerar-me saloio. Hoje é diferente, e até já lá posso pedir um galão, um cimbalino ou um fino que os empregados ficam todos simpáticos por serem capazes de entender o que eu quero.
Com a Galiza existem excelentes relações com o Norte de Portugal. Inclusivamente apoiam-nos politicamente na nossa luta contra o poder centralizador de Lisboa. Somos bem recebidos e aceites lá e nós, a Norte, retribuímos. Provavelmente, os espanhóis de Castela e da Catalunha acabam por ser também bem recebidos sem o merecer...
Força Portugal!! Até os comemos!!!

Anónimo disse...

Este texto é do mais xenófobo e ridículo que já li. Vou muitas vezes a Espanha e tenho alguns amigos espanhóis e sempre foi fantasticamente bem tratado. Digo mais, os espanhóis são muito mais amenos e sociáveis que os portugueses. Não há conflitos no futebol, nos bares, na rua, etc. São na sua maioria gente muitíssimo educada.

Agora complexo parece ter o Sr. Miguel, aliás este texto é um reflexo inegável disso mesmo.
Se calhar se abordar os espanhóis sem os seus complexos conseguirá ser bem tratado.

Miguel Lourenço Pereira disse...

@Anónimo 15:08

É dificil falar com alguém que é, isso mesmo, anónimo. Eu não tenho o mais minimo complexo de viver num país onde estou bem e onde nunca fui mal tratado (isso está no texto). Agora dizer que não há conflitos no futebol em Espanha é de uma ingenuidade suprema que só me leva a deixar pensar que se fica habitualmente por Badajoz que, por certo, acabou de peder o seu clube profissional.

@Hulk 11M

Sem dúvida, a minha experiência pessoal centra-se sobretudo em Castilla e aí o sentimento de superioridade face ao Mundo (e não só Portugal é muito superior ao de outras comunidades).

@Anonimo 12:44

Sem dúvida que Barcelona é um país à parte. Aliás, para mim Espanha tem claramente quatro países dentro, só eles é que não o conseguem assumir, e conheço muitos catalães, bascos e galegos que logo vão com Portugal (no caso de catalães menos, precisamente por isso do modelo Barça na selecção e da presença do trio do Madrid em Portugal).

@Anónimo 12:40

Os galegos estão tão fartos dos castelhanos como nós dos lisboetas, não tenhas dúvidas disso.

@G

Conheço muitos, imensos adeptos e sócios do Barça que não suportam o Vitor Baía e já perdi a conta às reportagens que li sobre o hiato de bons guarda-redes no clube de Valdés a Zubizarreta. Posso garantir-te que o Baía não deixou uma grande imagem.

@Saci Pererê,

Ainda não conheci um só espanhol que me dissesse que o FCP foi melhor que o Deportivo, só isso já diz muito de como funcionam a nível desportivo.

um abraço

Francisco disse...

Para os castelhanos e castelhanistas nós somos uma grande espinha atravessada na garganta. Aplica-se a eles o quem desdenha quer comprar!

Serjev disse...

miguel lourenço pereira

O fcp foi mais forte que o deportivo..quer no jogo em casa que empatou quer na galiza onde ganhou. O jorge andrade é q não tinha que dar um "biqueiro" ao deco e assim ser expulso..sendo amigo deste ou ñao.
Agora o q os espanhois pensam é me indiferente visto q estao "puxar brasa sua sardinha"

Saci Pererê disse...

Acho que os jornais da Catalunha hoje deixam bem claro algo que sempre defendi, os que nos comparam com os catalães não os conhecem nem um bocadinho. Se há povo que nao tem nada a ver com o espírito Portuense e mesmo Portista sao os Catalães e os Barcelonistas. Fico pasmado como o pessoal tanto gosta de colar-se aquela gente, prepotente, tendenciosa, fuinha e com o rei na barriga. O Porto sempre foi um clube de jogadores de raça e humildade o Barcelona é um clube tipo seita religiosa e os catalães são fechados na sua Catalunha donde para eles tudo o que lá existe é melhor do que qq outra coisa fora das suas terras e o mérito é sempre seu, já o dos outros não existe. O FC Porto não tem nada a ver com o Barcelona, o FC Porto é o FC Porto e não há outro clube no mundo com essa identidade e com nossa força.

Miguel Lourenço Pereira disse...

Serjev,

Eu não tenho a minima dúvida que o FCP foi muito melhor, mas isso de "puxar a brasa à sua sardinha" é precisamente o que critico. Não entra na minha cabeça essa mentalidade de vamos dizer que somos melhores porque sim...e esse é o pensamento espanhol em tudo!

Miguel Lourenço Pereira disse...

@Saci,

Não podia estar mais de acordo. Acho que é a nossa ignorança - minha também, confesso que sempre tive uma costela blaugrana antes de conhecer essa realidade - pensar que há alguma semelhança real entre ambas cidades, clubes e mentalidades à parte de lutar contra um elemento centralista.

um abraço