quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A utopia ibérica

«A Liga espanhola está centrada no Barcelona e no Real Madrid, por isso seria inteligente encontrar uma fórmula para a criação de uma Liga de estados ibéricos», afirmou Laporta, em declarações prestadas à Antena 1.
Joan Laporta, ex-presidente do Barcelona

El Barcelona podría jugar la Liga que le gustara más. Pero yo creo que en este punto no habría duda de que jugaríamos la liga de la Península Ibérica, o la LFP, y jugaríamos contra los rivales habituales”.
Josep Bartomeu, vice-presidente Barcelona

Os eleitores catalães foram às urnas no passado domingo como nunca na sua história.
Viveu-se o maior registo de participação desde a queda do regime franquista e a maioria clara dos votos foram entregues a partidos que defendem a realização de um referundum que proponha a separação da Catalunha do resto de Espanha.

Apesar da derrota do partido que estava no governo - e que liderou a campanha independentista - o conservador CIU, os partidos de esquerda que apoiam a separação do estado catalão triplicaram a sua votação e garantem essa maioria necessária. Sem saber o que esperar nos próximos meses, os adeptos do Barcelona continuam a debater sobre onde deveria jogar o clube blaugrana em caso da improvável independência se tornar numa realidade.

Actualmente manejam-se três cenários (um quarto, que o Barça jogue na Ligue 1 é meramente retórico), para essa situação que incluiria igualmente o Espanyol e em menor medida o Nastic de Tarragona e o Girona, os outros dois clubes catalães que disputam a liga profissional mas no segundo escalão.



1) Que tudo fique na mesma e os clubes catalães joguem na liga espanhola, como sucede com o AS Monaco em França ou com o Swansea e Cardiff City em Inglaterra.

2) Que se crie uma liga própria, exclusiva para clubes catalães, emulando uma competição que já existe, a Copa Catalunya, dada a rejeição de muitos espanhóis em receber os dissidentes.

3) A criação de uma Liga Ibérica.

Enquanto o segundo ponto é o mais improvável, algo que a directiva do clube já se manifestou abertamente contra, consciente da insignificante realidade do futebol catalão para formar uma liga própria que seria muito inferior, por exemplo, à da Escócia, a grande polémica está entre os pontos 1 e 3. Ambos têm defensores e detractores com influência institucional e espelham bem o mosaico complexo que vive a sociedade espanhola.

Os mais radicais independentistas querem cortar todos os laços institucionais com Espanha e por isso, na impossibilidade lógica de ter uma liga própria, apenas aceitariam jogar com os clubes do país a que pertencem actualmente se essa prova incluísse também outros povos ibéricos, ou seja, nós.

Essa é a filosofia de Laporta e do laportismo, uma facção fortíssima entre os adeptos blaugranas e uma ideia que foi muito aplaudida nos sectores mais radicais durante a campanha eleitoral. Laporta prepara-se para voltar a disputar a presidência do clube e foi deputado independentista desde que abandonou o clube, e foi o primeiro, em 2009, a defender a ideia de uma Liga que reunisse os clubes catalães, vascos, galegos, espanhóis e portugueses, numa prova a 18 clubes. Convidaria o FC Porto, SL Benfica, Sporting de Braga e Sporting CP para juntar-se a Barcelona e Espanyol e 12 clubes mais espanhóis, entre bascos, galegos, andaluzes, valencianos ou castelhanos.



Essa liga tem sido um projecto utópico discutido - como o iberismo em si - desde há vários anos por vários intelectuais e pensadores do jogo na Península Ibérica. Muitos defendem a ideia como tábua de salvação financeira para os clubes portugueses, presos numa liga sem receitas e sem rivalidade para lá do top 4. Seria um torneio que agradaria a todos, já que a imprensa espanhola acredita que os clubes portugueses não aguentariam muito tempo na elite e acabariam por diluir-se na 2º divisão, a Liga Adelante, mantendo o status quo.

No entanto, essa pseudo-liga ibérica não deixa de ser uma tremenda utopia perfeitamente irrealizável.

Nunca teria o selo da UEFA - que de o permitir abriria a porta para o fim da sua base de apoio legal, o federalismo nacional - e o exemplo das propostas do Celtic e Rangers de juntar-se à Premier - rejeitadas - já o deixa antever.

Mais realista seria o ponto 1, emulando o que já acontece com clubes do Pais de Gales (o Swansea é o caso mais evidente) ou com o próprio AS Monaco, que actuam nas ligas profissionais inglesas e francesas, respectivamente, precisamente porque não há condições para subsistirem numa liga autonómica independente. Além do mais, ninguém, nem em Madrid nem em Barcelona, está disposto a viver sem os inevitáveis Clásicos anuais, o verdadeiro termómetro emocional do futebol espanhol. As directivas de ambos os clubes conhecem o impacto financeiro que esse duelo tem nas contas dos clubes e na sua imagem a nível mundial e seriam incapazes de abdicar dessa mais valia apenas por questões políticas.

No caso dos clubes portugueses, restará a possibilidade de melhorar as condições existentes na Liga ZON Sagres, seja pela renegociação dos contratos televisivos, a aposta na formação local e o ajuste dos preços dos bilhetes para manter longe o espectro dos estádios vazios. Porque sonhar com disputar o título ibérico com Real Madrid, Barcelona, Valencia ou Atlético de Madrid é apenas um sonho de impossível realização.

16 comentários:

DC disse...

Também acho que nunca acontecerá mas seria fantástico! Ver Barça e Real anualmente no Dragão seria muito bom!
Além disso, as receitas dos clubes portugueses cresceriam muito, nomeadamente no que toca aos direitos televisivos. E não tenho dúvidas que mantendo a capacidade de gestão desportiva que o Porto tem tido, em 10 anos seríamos um colosso europeu, face às receitas muito superiores que obteríamos.

Mas, não acredito que isto alguma vez passe de utopia a realidade.

José Lopes disse...

Miguel,

O Pais de Gales nao e uma nacao totalmente independente. E um principado autonomo, mas faz parte do Reino Unido, nao e a mesma situacao de uma Catalunha independente. Acho que a solucao do Laporta e apenas uma forma de garantir a sobrevivencia dos clubes catalaes, legitima, e de rodear a possibilidade de ficar tudo na mesma na Liga Espanhola, porque, claro esta, seria incoerente para quem e independentista querer separacao politica, mas achar que no desporto pode ficar igual. Uma Liga Iberica abriria a porta a outros casos possiveis, seja no Reino Unido, seja no Benelux. Nao me agrada particularmente a ideia, por muito que pudesse ser vantajosa a nivel economico. Acho que os adeptos estao muito ligados as competicoes nacionais e provavelmente preferirao sempre jogar contra Nacional, Pacos ou Olhanense do que contra Sevilha, Espanhol ou Celta. Acho que a posicao da UEFA e o menos aqui, siceramente, a oposicao a ideia comecaria bem antes da proposta chegar a UEFA.

Abraco.

Duarte disse...

Excelente post, Miguel. Subscrevo-o por inteiro.

Outra discussão seria a de como melhorar a nossa própria liga. A primeira medida a tomar, quanto a mim, seria o alargamento até às 18 equipas como antigamente (um formato do qual nunca devíamos ter saído). Talvez me esteja a desviar do post e já sei que esta minha ideia vai contra a opinião da maioria das pessoas, mas ainda ninguém me conseguiu convencer do contrário.

Silva Pereira disse...

Boa noite,

penso que toda a estratégia do mafioso do Platini consubstancia um projecto para uma liga profissional (substituição da LC) tipo liga americana de basquete.
Por isso é fundamental não perder o comboio nesta fase.

já agora fiquei muito preocupado com as afirmações do adm Adelino Caldeira, se a estratégia é recorrer aos mercados de capitais e dar como adquirido que se passa sempre aos oitavos da LC, o nosso destino será o dos lagartos.
Vejamos substitui-se um empréstimo obrigacionista por outro e sempre a subir a parada (passou de 18 M para 25 M), só que isto incrementa o serviço da divida, contas grosseiras dos 25 M, fica logo 1,3 M para a banca e depois em 2 anos os juros ficam mais 4 M, conclusão o empréstimo custa por baixo 5,5 Milhões.

a estratégia deveria ser orçamentar com cuidado por exemplo a ida à LC, e depois se o FCP passasse aos oitavos essa verba serviria para amortizar o passivo.

Dar como adquirido uma coisa que depende de vários factores é jogar na lotaria e depois em anos que não se consegue lá vem os resultados negativos em milhões.

Sinceramente não percebo tanta prosápia no feito a pagar esses juros e custos o negócio para a banca é bestial.

Cumprimentos

Hugo disse...

Com todo o devido respeito: liga ibérica mas é o caralhinho que os foda.

Ou alguém acha que os clubes portugueses vão conseguir concorrer em pé de igualdade? Só se formarem uma empresa tipo a Barclays Premier League e as coisas forem feitas e negociadas em conjunto. E já agora, como é que se iria fazer o rácio de clubes por país? Como é que se qualificavam para as provas europeias?

Para além de que uma das coisas que quero, E VOU, ver como portista é ultrapassarmos o clube da gaivota em títulos nacionais E taças de portugal. Até isso acontecer, podem enfiar a liga ibérica na peida.

Miguel Lourenço Pereira disse...

@José Lopes,

Citei o País de Gales não por ser uma nação independente mas por ser uma nação reconhecida pela FIFA e ter uma liga própria, apesar de haver clubes de Gales que participam nas provas inglesas. Da mesma forma que a Escócia, oficialmente, ainda faz parte do Reino Unido mas tem uma autonomia total a nível desportivo.

@Duarte,

Quanto a uma liga a 18, tenho as minhas dúvidas. É certo que a liga a 16 não melhorou em nada a situação existente mas quantos casos como o da União de Leiria podem existir numa liga a 18?

@DC

Que fique claro que eu, por minha parte, sou completamente contra a ideia dos nossos amigos catalães.

um abraço

Duarte disse...

Miguel, casos como esse também podem existir com uma liga a 14 ou a 12, não é por aí. Não é fatal que aconteçam com 18 e, como bem disseste, por acaso até aconteceram com 16.

Há muitas pessoas que não só criticam o alargamento como defendem uma redução de clubes num modelo, para mim, aberrante e puramente economicista. Mas mesmo considerando apenas a vertente económica, o problema está do meu ponto de vista na permissividade da FPF ao deixar que determinados clubes se inscrevam nas provas profissionais sem darem garantias mínimas de sustentabilidade.

José Lopes disse...

Miguel, eu percebo a referencia ao Pais de Gales, mas quem se explicou mal fui eu. Acho que a situacao da Catalunha e' diferente da do Pais de Gales, porque se se tornar independente, acho que e' simplesmente incoerente querer manter as equipas catalas nas competicoes da federacao espanhola. O Pais de Gales e a Escocia, apesar de automomos, mantem ligacoes formais com o Reino Unido e por isso e' uma situacao hibrida onde se encaixa melhor separacoes nao totais. Claro que os clubes espanhois nao tem interesse nenhum em perder o Barcelona das suas competicoes, principalmente o Real Madrid.

José Correia disse...

Neste caso partilho a opinião do DC.
Seria excelente disputar o mesmo campeonato (a 18 ou 20 equipas) do Real Madrid e Atletico Madrid (de Castela), do FC Barcelona (da Catalunha), do At. Bilbao (do País Vasco), do Depor (da Galiza), do Valência (da Comunidade Valenciana), do Sevilha (da Andaluzia), etc.
Passar a disputar aquela que, provavelmente, seria a 2ª melhor Liga do Mundo, seria fantástico, num mercado de cerca de 60 milhões de pessoas e com um enorme potencial de "exportação" das transmissões televisivas a nível global (América Latina, Brasil, PALOPs).
Teríamos jogos vibrantes, estádios cheios e, no caso do FC Porto, muito provavelmente receitas televisivas multiplicadas por 10 (relativamente ao valor do último contrato que a FCP SAD fez com a Olivedesportos).

Mas, infelizmente, e tal como o DC, também não acredito que isto alguma vez passe de utopia a realidade.

Miguel Lourenço Pereira disse...

@José,

Estou totalmente de acordo, é absolutamente incoerente, mas até agora todo o processo "independentista" o tem sido. Sejamos honestos, a Catalunha e o País Basco têm tanto a ver com Espanha como tinham a Bósnia e a Croácia e a independência destes fez-se de uma forma brutal mas está consolidada. Mas como consequência o seu futebol sofreu bastante e os catalães, que futebolisticamente são uma potência mundial (um XI catalão iria a um Mundial mais facilmente que um croata), também sabem que dependem muito dos vizinhos para subsistir e estão a tentar encontrar fórmulas de juntar o útil ao agradável.

Nem eu acredito que a Catalunha algum dia seja um estado independente nem que o Barça se afaste da liga espanhola.

Miguel Lourenço Pereira disse...

Duarte,

O problema do futebol português está na gestão e na estrutura, 14, 12, 16 ou 18 equipas não vão mudar o problema de base se não forem acompanhadas de uma legislação pragmática e colectiva.

Eu não tenho nenhum problema com uma liga a 18 se os contratos televisivos fossem colectivos, se as garantias de inscrição fossem realistas, se os salários em atraso fossem punidos eficazmente e se os preços dos bilhetes estivessem de acordo com a realidade. Porque, independentemente do número de equipas, enquanto isso não for resolvido o volume de participantes é irrelevante.

um abraço

Alexandre Burmester disse...

Então deixo aqui um exemplo mais parecido com uma futura Catalunha independente: o Derry City, da Irlanda do Norte, disputa a Liga da Irlanda, da Repúbica da Irlanda, e não a Liga Irlandesa, que é como se chama a competição na Irlanda do Norte.

Como o Miguel já referiu, o País de Gales tem uma liga própria mas, mesmo assim, tem os seus dois principais clubes, Cardiff City e Swansea City, na Liga Inglesa e na Premier League, respectivamente - e, acrescento eu, tem ainda mais dois - Wrexham e Newport County - no 5º escalão do futebol inglês, a Conference.

A UEFA é uma associação de federações e não de estados, e se permite estas situações que referi, decerto permitiria aos clubes de uma Catalunha independente jogarem na Liga Espanhola.

Alexandre Burmester disse...

Eu estou como o Hugo - exceptuando a sua colorida lingiagem!;-) Eu quero é comer o Benfica! E isto não é apenas uma reacção emocional: as visitas de Barça e R. Madrid poderiam encher o Dragão, mas as visitas do Getafe e do Saragoça levariam lá tanta gente como actualmente as visitas do Rio Ave e do Estoril.

Franco Baresi disse...

Apoiado!

José Lopes disse...

Concordo. Acho que devemos e pensar na sustentabilidade da nossa competicao e do clube em si. Pensar em modelos profissionais tipo desportos americanos e' comparar alhos com bugalhos. Aqui (EUA, onde vivo) as competicoes fazem sentido porque se trata de uma pais so (ok, incluindo casos pontuais de equipas do Canada), porque ha rivalidades a nivel nacional, e porque o interesse do publico por estes desportos (basquete, futebol americano e mesmo o basebol) nao se esgota nas ligas profissionais. Ha publico e, logo mercado, para competicoes universitarias de grande nivel. Imaginemos o que seria o futuro dos clubes portugueses fora os grandes caso tivessem de deixar de contar com as receitas que tem quando recebem esses mesmos grandes (cenario de Liga Iberica ou Europeia) e deixassem de contar com boa parte do pouco dinheiro que recebem da TV. A prazo, iriam todos ter assistencias ao nivel dos campeonatos amadores, ate porque o sonho de subir a primeira divisao ainda e' o que move muita gente que vai ver jogos de clubes de segunda liga, por exemplo.

José Lopes disse...

Concordo. Acho que devemos e pensar na sustentabilidade da nossa competicao e do clube em si. Pensar em modelos profissionais tipo desportos americanos e' comparar alhos com bugalhos. Aqui (EUA, onde vivo) as competicoes fazem sentido porque se trata de uma pais so (ok, incluindo casos pontuais de equipas do Canada), porque ha rivalidades a nivel nacional, e porque o interesse do publico por estes desportos (basquete, futebol americano e mesmo o basebol) nao se esgota nas ligas profissionais. Ha publico e, logo mercado, para competicoes universitarias de grande nivel. Imaginemos o que seria o futuro dos clubes portugueses fora os grandes caso tivessem de deixar de contar com as receitas que tem quando recebem esses mesmos grandes (cenario de Liga Iberica ou Europeia) e deixassem de contar com boa parte do pouco dinheiro que recebem da TV. A prazo, iriam todos ter assistencias ao nivel dos campeonatos amadores, ate porque o sonho de subir a primeira divisao ainda e' o que move muita gente que vai ver jogos de clubes de segunda liga, por exemplo.