sábado, 13 de novembro de 2010

A metamorfose de Belluschi

O PUBLICO de ontem publicou um artigo de opinião de Bruno Prata, cujo título é ‘A metamorfose de Belluschi, um "oito" que vale mais do que um "dez"’, onde é feita uma análise que, globalmente, me parece equilibrada e correcta.


«Há jogadores que têm o condão de se reinventar e de contrariar ideias feitas. Belluschi parece ser um desses casos de metamorfose radical, tendo passado a fazer parte de um reduzido lote de exemplos capazes de surpreender boa parte dos críticos (grupo em que, de resto, nos incluímos). (…)
Qual libélula que de um dia para o outro ganhou asas, o argentino desenvolveu-se e deixou de ser um "dez" que, por força do desenho táctico (4x3x3), tinha de jogar a "sete" ou a "oito", com tudo o que isso acarretava em termos de prejuízo para a equipa como para ele próprio. Hoje, Belluschi conserva o que já o distinguia - classe pura, técnica, remate e visão de jogo. Mas acrescentou-lhe, por exemplo, sentido posicional raro e capacidade guerreira, tudo qualidades que os analistas consideravam não integrar o seu ADN. Sabe-se agora que elas estavam lá, só que camufladas e por revelar. (…)

Belluschi sempre foi visto como um médio-ofensivo, alguém que rendia claramente mais nas costas dos avançados, servindo de interface entre o miolo e o ataque. Foi assim no Newells"s Old Boys, onde deu os primeiros passos como profissional, ganhou os seus primeiros títulos e somou as suas duas primeiras e, até ao momento, únicas internacionalizações. E continuou a ser assim quando, quatro anos depois, foi chamado a ajudar a substituir Gallardo e Lucho (que se havia mudado precisamente para o FC Porto) no River Plate. As boas exibições levaram o Olympiakos a pagar por ele 7,4 milhões de euros (por metade do passe), na reabertura do mercado em 2008. Na Grécia, continuou a vender talento, mesmo que com várias intermitências exibicionais, jogando a "dez". (…)

As suas qualidades agradaram a Jesualdo Ferreira, que há um ano deu o aval à sua contratação como potencial substituto de Lucho, vendido ao Marselha por 17 milhões de euros. (…)
Na época passada, Belluschi alinhou em 27 das 30 jornadas do campeonato, quase sempre a titular. Marcou quatro golos, mas esteve longe de conseguir afastar o sentimento de orfandade pelo compatriota Lucho. Essa foi, de resto, uma das razões apontadas para o menor rendimento e para a época fracassada que levou à saída de Jesualdo. (…)

Até por isso, não deixou de ser sintomático que Villas-Boas tenha apostado em Belluschi desde a primeira hora. Fê-lo mesmo contra a expectativa dos adeptos, crentes de que esta seria a época da afirmação definitiva de Rúben Micael. E continuou a fazê-lo mesmo depois de Pinto da Costa ter provado por que há muito dizia que Moutinho era um jogador à FC Porto... Aqui há que dar mérito ao técnico portista. Ele percebeu, melhor e mais rápido do que todos nós, que Belluschi tinha predicados que estavam ocultos e à espera de serem desvendados. (…)
A transfiguração de Belluschi já tinha sido patente em Coimbra. O pantanal em que se tinha transformado o relvado não impediu o argentino de se manter à tona da água e de terminar como um dos melhores em campo. De resto, Belluschi segue surpreendentemente como o portista que conseguiu mais recuperações de bola (81) nas dez jornadas do campeonato, claramente à frente de João Moutinho (65). Esta sua nova faceta já tinha começado a ser notória no termo da época passada, quando foi quem mais correu na final da Taça de Portugal.

Os jogadores sul-americanos melhoram substancialmente o rendimento após o segundo ano na Europa. Belluschi chegou a Portugal após vários anos na Grécia, mas pode também estar a beneficiar de uma primeira fase de adaptação às singularidades do futebol português. Mas, mais importante do que isso, foi certamente o facto de ter passado a jogar ao lado de Moutinho, cuja inteligência táctica e posicional contribui para que tudo funcione com maior harmonia em seu redor.

Belluschi já foi deixando algumas explicações para a sua metamorfose. Por um lado, reconhece ser "mérito da equipa e do treinador", que o libertou e lhe deu confiança. Nesse ponto, vale a pena acrescentar uma passagem de uma outra entrevista em que diz que o FC Porto é agora uma equipa mais parecida com o Barcelona na forma de jogar, o que, depreende-se, beneficia as suas características. Mas onde Belluschi deve mesmo ter acertado na mouche foi quando afirmou: "É mérito meu também, que me propus estar melhor e trabalhar mais do que na época passada". Nota-se.»

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Na minha opinião, mais do que uma metamorfose (*) radical da época passada para a actual, o que vejo em Belluschi é uma evolução significativa que, conforme refere Bruno Prata, “já tinha começado a ser notória no termo da época passada, quando foi quem mais correu na final da Taça de Portugal”.

Os factos desmentem alguns mitos. Por exemplo, de que Belluschi raramente era aposta de Jesualdo, ou de que não fez um único bom jogo na época passada. Basta lembrar a exibição notável (com duas assistências e um golo do outro mundo) contra o slb na 29ª jornada, a melhor que fez até agora com a camisola do FC Porto, com a equipa reduzida a 10 jogadores durante praticamente toda a 2ª parte.

Por tudo isto, reduzir esta “metamorfose radical” de Belluschi apenas aos inegáveis méritos de André Villas-Boas, parece-me algo muito simplista e redutor. São várias as razões e, penso, estão bem descritas no artigo anterior.


Nota 1: O artigo completo do Bruno Prata pode ser lido aqui.

Nota 2: Os destaques no texto a negrito são da minha responsabilidade.

(*) mudança de forma; mudança completa no estado ou no carácter de uma pessoa.

16 comentários:

Remígio Manuel Silva da Costa disse...

Corroborando quase tudo que aqui é dito sobre Bellushi, não deixo de lembrar que, algumas vezes, a acção dos treinadores é decisiva tanto na recuperação como no apagamento de atletas dotados, quando por eles são sujeitos a concepções tácticas que estejam ou não ajustadas às suas potenciais qualidades.

José Correia disse...

@r.m.silva da costa
Longe de mim retirar mérito ao AVB. O que eu digo é que a evolução do Belluschi é resultado de vários factores, incluindo a atitude dele próprio em relação aos treinos e aos jogos ("É mérito meu também, que me propus estar melhor e trabalhar mais do que na época passada").

José Correia disse...

E também me parece indiscutível, que entre o início e o final da época passada a evolução do Belluschi já era notória.
As primeiras 10 jornadas desta época vieram dar continuidade a essa evolução.

Pedro disse...

Também não gosto de esquecer o mérito do Jesualdo em, pelo menos, tê-lo ido buscar. Secalhar se tivesse ficado mais uma época, já não teria sido tão culpado pela pobre 1ª temporada do Belluschi

Filipe Sousa disse...

O Jesualdo passou a época passada a minar a confiança do jogador. Após um período em que foi titular várias vezes consecutivas, foi relegado para o banco, apenas porque o Meireles recuperou de uma lesão. Ou seja, percebeu que só foi titular porque não havia alternativa. Isso não é "rotatividade" e dá cabo de qualquer um.

José Rodrigues disse...

Disse-o por várias vezes na época passada: Belluschi foi um claro caso de sub-aproveitamento da parte de JF, devido ao estilo de jogo q dava prioridade às "transições rápidas".

Tendo uma equipa q não tem pejo em jogar com a bola nos pés e fazer os compassos de espera q forem necessários, sem sofreguidões em fazer a bola chegar muito rapidamente - seja de q forma for - aos avançados, Belluschi sente-se como peixe na água.

Anónimo disse...

Pedro disse: "Também não gosto de esquecer o mérito do Jesualdo em, pelo menos, tê-lo ido buscar."

Eu não acredito que alguma contratação vinda do estrangeiro tivesse tido a iniciativa do JF. Que ele tenha dado o seu assentimento - muitas vezes decerto um mero proforma - não digo que não, mas daí a podermos dizer que ele foi buscar A ou B à Grécia ou à Patagónia vai uma certa difrença.

O Jesualdo deu-nos três títulos seguidos e boa parte de um tetra, e o seu nome ficará para sempre na história do FCP e do futebol português (até porque se tornou o primeiro treinador nacional a ser campeão por três anos consecutivos), mas a sua passagem peo nosso clube pouco ou nada acrescentou em termos de futebol jogado ou de gestão desportiva. Só sabia essencialmente jogar de uma maneira e nunca procurou adaptar o futebol da equipa aos jogadores de que dispunha, tendo sempre tentado fazer o contrário. E o Belluschi é um claro exemplo de um jogador desse modo desperdiçado.

Prevejo para o Prof. JF, também conhecido por Mestre, uma carreira frustrante no Sporting a iniciar dentro em breve.

José Correia disse...

@mente
Não tenho os números dos jogos disputados por todos os jogadores mas, fazendo fé nos números apresentados pelo Bruno Prata, tenho ideia que o Belluschi foi um dos médios mais utilizado por Jesualdo Ferreira na época passada, talvez só superado pelo Fernando. Seguramente que foi mais utilizado que o Guarin, Tomás Costa, Valeri e Rúben Micael.

Mais. No final da época, quando já estava mais adaptado e demonstrava outra atitude dentro de campo, conquistou a titularidade e, inclusivamente, marcou um golo em Setúbal e um golão ao slb.

Jorge Mota disse...

Por momentos pensei q se iria desperdiçar esse MAIS Q OBVIO talento.

Bastou me ve lo contra slangola no Olympiakos.

Nao sei pq olho para ele e vejo 1 verdadeiro num 10.E q raros eles sao.

CARREGA

(Amo 1 bom BASQUET!!!!)

meirelesportuense disse...

O Belluschi não é um jogador para jogar preferencialmente em contra ataque rápido e efectuar lançamentos constantes, gosta de ter a bola consigo e JFerreira exigia-lhe para além disso funções quase defensivas.
Moutinho faz esse papel exemplarmente e Belluschi libertou-se dessas amarras...Reparem que Meireles no Liverpool joga como pivot e tem feito grandes jogos...Até parece o motor dos Reeds.No Porto estava a definhar...

JRP disse...

A situação de Belluschi lembra-me a de Alenitchev. Enquanto cá esteve o Fernando Santos, o Aleni não era nada de especial e ainda por cima era incompatível com o Deco. Chegou o Mourinho e Aleni passou a genial e jogava no mesmo 11 com Deco.
O problema, a meu ver, é e era do treinador. Num caso e noutro.

José Correia disse...

meirelesportuense disse...
"Moutinho faz esse papel exemplarmente e Belluschi libertou-se dessas amarras..."


Conforme escreveu Bruno Prata, Belluschi é "o portista que conseguiu mais recuperações de bola (81) nas dez jornadas do campeonato, claramente à frente de João Moutinho (65)".
Esta mudança, do Belluschi que só atacava para o Belluschi que também defende, foi iniciada por Jesualdo e já era notória no final da época passada.

José Correia disse...

@Jorge Mota e JRP
Se tiverem possibilidade, revejam o FC Porto x slb de Maio passado (3-1), em que Belluschi fez duas assistências, marcou um golão e jogou por dois. Foi, sem dúvida, o melhor jogo do Belluschi com a camisola do FC Porto. E foi na época passada, com o "burro" do Jesualdo a treinador.

Jorge Mota disse...

JC,eu sei q para o final o JF o começou a rentabilizar-e 1 facto.mas o ano anterior dava me dor na alma n o ver jogar.JF sempre foi mto lento a introduzir e evoluir jogadores.

Esse jogo com os benfas nojentos, Bellu parecia o Deco nos seus bons velhos tempos.E q grande golo!!!

No coment anterior tb me lembrei Alenitchev, curiosamente!Q classe!Do melhor q ja vi.

miguel.ca disse...

Haverá algum crescimento mental da parte do jogador mas estou convicto de que foi Villas Boas que olhou para o Belluschi e disse:"Vais passar a jogar assim."

Os jogadores tem características únicas e se o treinador não dá por elas ou o queima ou provoca-lhe épocas de desapontamento.

Velasquez disse...

Muito bem Zé Correia e muito bem o Bruno Prata. Pista de reflexão: os cinco golos ao sport de benfique foram marcados em ataque continuado, com cirulacao de bola em toques curtos e progressao tik e tak, ou foram golos saídos de um futebol de passe longo, de poucos toques? O Cenoura é brilhante, pois joga ainda muito mais à holandesa resultadista do que à ibérico-americana-resultadista. Alterna, não é mentira nenhuma. Um dia a reflexão vai ter de ser esta: qual a diferença do kick & rush, o autocarro italiano do contropiede e jogar à holandesa? O FC Porto de Jesualdo jogou num mix da 3ª nunca jogou nas outras.